segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Theatro Municipal: Patrimônio a ser preservado, História a ser resgatada.



Theatro Municipal hoje. A "Música" e a "Poesia" reduzidas a inscrições em sua bela fachada
 
por Comba Marques Porto


Se o TMRJ, por sorte, não foi atingido pelo lamentável desabamento dos prédios vizinhos, vem sendo desnaturado e moralmente abatido pela administração do governo do Estado do Rio de Janeiro, ao qual está juridicamente submetido. É hora, então, de tentar salvar o Theatro, e o resgate de sua história deve ser invocado como instrumento de pressão junto às autoridades para que a casa volte a realizar a sua principal finalidade.  

Edgar de Brito Chaves Junior deu imensa contribuição ao registro da história do TMRJ com dois livros fundamentais - "Memórias e Glórias de um Teatro", (período 1909 a 1970) e "Diário do Municipal (1971-1990)". E o que ele fez nestas obras? Edgar amava o teatro e por razões de vinculação pessoal com a casa teve acesso aos assentamentos administrativos e aos programas de todos os espetáculos e eventos - concertos, óperas, balés, encenações teatrais, solenidades de formatura, homenagens, bailes de Carnaval, etc. De tal modo, seus dois livros traduzem fiel registro de tudo o que se fez no TMRJ, desde a inauguração em 1909 até 1990, com todas as informações sobre os espetáculos e eventos. Quer saber quantas vezes Mario del Monaco cantou no Rio? Veja lá. Quer saber quando foi criado o coro do TMRJ? Veja lá.  
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De 1991 em diante nada mais se compilou e publicou. Tomara que os programas dos espetáculos posteriores a 1991 não tenham sido descartados como as placas de bronze fixadas no interior do TM em homenagem a grandes artistas nacionais e estrangeiros que ali atuaram em récitas memoráveis. Os programas, se ainda existem, podem permitir a continuidade da obra do Edgar Chaves Junior. Aliás, desde 1909, a tarefa de publicar os dados dos espetáculos e evento tocaria à administração estadual. Seria inerente à atividade do Teatro a organização de seu acervo e dos dados sobre sua história, de modo a torná-los acessíveis ao público. Mas isto jamais foi feito.  A única fonte de pesquisa sobre a produção artística do Theatro Municipal é a obra de Edgar Chaves Junior produzida por iniciativa própria, com recursos próprios, como ele mesmo escreve na introdução ao primeiro livro: "Este livro foi feito por amor. Da primeira à última página. (...) Com amor de quem aprendeu a gostar do Teatro Municipal como quem gosta de sua própria casa." 

Não é de hoje que várias instituições públicas disponibilizam sua história à pesquisa de todos através do poderoso instrumento da internet. O TMRJ até tem um site que - pasmem! - apresenta a história do teatro em texto de no máximo uma lauda (consulta feita na data de hoje). 

O movimento que ora se articula, ao meu ver, não se restringe às reivindicações laborais do corpo estável da casa, embora estas sejam da maior importância. Aliás, os artistas que já se manifestaram em comentários sobre a matéria do “Ópera Sempre” fogem do corporativismo e afinam a mobilização pelo tom da defesa do patrimônio cultural da cidade que tem em nosso Teatro Municipal histórica expressão. 

Impõe-se tirar o TMRJ da condição de "casa de festas" que lhe vem impondo a atual administração. Ainda que a "festa" seja um recital ou um concerto, o Teatro deve ter também e prioritariamente programação própria estruturada com base em projetos da casa e de seus corpos fixos. É preciso que volte a ser um teatro, no sentido mais profundo e completo da palavra. A história do TMRJ como palco de concerto, ópera, teatro e balé é a prova de que reduzí-lo à condição de uma casa de aluguel é verdadeira ofensa ao patrimônio artístico da cidade.

Com o tempo as tramas vão se explicando. Refiro-me à última reforma do teatro. O que esperava o seu público ao término da obra? Rica programação. Temporadas líricas bem estruturadas. Concertos sinfônicos regulares.  Fortalecimento do corpo estável (orquestra, coro e balé), com as renovações que se fizessem necessárias, com aprimoramento da formação e preparação dos artistas da casa. 

E o que se tem visto? Prioridade ao objetivo "casa de aluguel", como tantas que existem na cidade para a realização de shows, festas e demais eventos de iniciativa particular. Não é, então, difícil concluir que a necessária reforma possa ter sido instrumentalizada como um decisivo passo do objetivo de desvirtuar a finalidade do Teatro que, assim, passa a integrar o mercado de aluguel como a mais chique casa para variados eventos. Tomara que eu esteja errada e a situação a que se chega hoje seja somente o resultado da ação de gestores despreparados e desconectados da história do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Por todas as razões, a mudança da direção se impõe, em defesa da cultura e das mais ricas tradições de nosso melhor teatro. 

Giuseppe Di Stefano - "La donna è mobile"
provavelmente, Theatro Municipal do Rio em 1948

Um comentário:

  1. Comba,
    Fiz um comentário em outra postagem que tem a ver com o que você escreveu no final do seu ótimo artigo. De fato existem estranhas coincidências na história do TMRJ. Após as duas últimas grandes reformas do teatro (em 1975 e 2007 -ambas fecharam o TM por três anos)seguiram-se períodos de crise intensa. E não foi apenas porque se gastou muito dinheiro com as obras e sobrou pouco para organizar a programação do TMRJ. Na reforma de 1975, a reabertura do teatro (em 1978) foi usada como oportunidade para mudar a orientação artística da casa. Foi quando houve a intervenção desastrada de diretores, maestros e até técnicos de palco argentinos, como se aqui não soubéssemos fazer ópera e não existissem profissionais qualificados. Alguns artistas nacionais infelizmente foram cúmplices daquilo, como um certo ex-barítono de curta carreira que me dispenso de citar o nome. Em dois anos destruíram o que havia sido construído em décadas. Depois, como piratas profissionais, foram embora.
    Não está sendo muito diferente agora. Mudanças na orientação, com as tentativas de "terceirizar" o TM, desarticulação e enfraquecimento dos Corpos Estáveis etc.
    beijão
    Henrique

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