Algumas
propostas
Por Henrique
Marques Porto
O objetivo desse texto é indicar um conjunto
de ações e iniciativas mínimas para a reconstrução do Theatro Municipal do Rio
de Janeiro. Longe de pretender ser definitivo, o texto tem a intenção de abrir
ou estimular o debate sobre o tema. Dispensável fazer o balanço dos últimos
sete/oito anos e enumerar os erros, os desmandos e indicar exemplos da péssima
administração do TMRJ no Governo em fim de mandato, e que entrará para história
como a pior gestão desde sua fundação em 1909.
A palavra “reconstrução” é aqui usada com
muito critério e explica, por si, a natureza do trabalho que deve ser feito no
Municipal em função do que aconteceu nos últimos anos, e que pode ser definido
numa palavra: desmonte. Essa foi a
tarefa a que se propuseram a Secretária de Cultura, Adriana Rattes, e a
presidente da Fundação Theatro Municipal, Carla Camaruti, ambas produtoras e/ou
empresárias do setor audiovisual. As duas
senhoras tinham uma missão: terceirizar o Municipal. A própria ex-atriz Carla Camurati
confirmou o objetivo em recente entrevista à revista Valor: "No início da gestão, em 2008, a gente
tentou. A Adriana Rattes sabia que era a primeira coisa que ela deveria fazer
como secretária de Cultura".
Quebraram
as caras. Os funcionários do teatro, com apoio do meio musical e do público
impediram a aventura que beneficiaria apenas a pirataria que ronda o belo
prédio da Cinelândia.
Por trás da evidente incompetência de quem
vem gerindo o Municipal nos últimos anos estão o autoritarismo e as decisões
arbitrárias. E um certo espírito vingativo em relação aos funcionários do TMRJ.
O mandonismo resulta sempre em incompetência, além de facilitar os mal feitos
de toda espécie e o alcance de objetivos muitas vezes desonestos, como o
favorecimento de pessoas, empresários, produtoras e pequenos grupos.
A tarefa agora é tentar, num esforço coletivo,
reconstruir essa importante instituição pública que é a Fundação Theatro
Municipal do Rio de Janeiro.
A
Instituição
A Fundação Theatro Municipal do Rio de
Janeiro (FTM/RJ) foi instituída pela Lei 1242 de 3 de dezembro de 1987:
Parágrafo
único - A FTM/RJ terá por finalidade
promover, incentivar e executar atividades culturais, especificamente nos
campos da música, dança e representações cênicas, no âmbito de atuação do
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, conferindo-lhes flexibilidade e autonomia.
Art. 2º - A FTM/RJ será supervisionada pela
Secretaria de Estado de Cultura, terá personalidade jurídica de direito
privado, sede e foro na Capital do Estado e duração indeterminada, regendo-se
por esta Lei e pelos Estatutos que forem aprovados por Decreto do Poder
Executivo.
O objetivo
da Lei é claro. A intenção do legislador ao transformar o TMRJ em Fundação, com
“personalidade jurídica de direito
privado”, foi dar ao
teatro autonomia administrativa e financeira, gestão mais ágil e maior
capacidade de captar recursos no setor privado, além daqueles previstos no
Orçamento Estadual.
A FTM/RJ não
vem cumprindo a própria Lei que a criou! E tem sido assim há quase três
décadas. Institucionalmente está absolutamente desorganizada, a começar por
seus órgãos diretores. O TMRJ sequer tem um Vice-Presidente! Tem sido praxe dos
governantes limitar-se a indicar um nome para a presidência da FTM, sem consultar os funcionários do teatro e o meio artístico, e dar de
ombros para o resto.
Assim, o
Theatro Municipal costuma ser lembrado mais pela imponência do prédio histórico
e menos por sua importância para a cultura do Rio e do Brasil.
Na verdade, o
Municipal foi reduzido a mais uma entre tantas unidades da Secretaria de
Cultura, como se não fosse a instituição diferenciada que é -um dos maiores,
mais belos e mais bem equipados teatros da América do Sul, único equipamento do
Rio de Janeiro adequado para encenações de óperas e balés. Teatros menores
foram reformados para outras finalidades ou demolidos.
A reconstrução
Reorganização
administrativa da Fundação.
a) Eleição dos Órgãos de Direção da Fundação:
Presidência e Vice-Presidência, Conselhos etc. No caso das Fundações o
presidente não é a autoridade máxima na tomada de decisões. Esse papel cabe a
um Conselho –Diretor ou Curador. Esse
órgão, que tem poder decisório, é o responsável pelas decisões finais. A
Presidência cumpre.
b) Atualização dos Estatutos e Regimento Interno da
FTM. Na verdade, não se sabe ao certo se existem Estatutos e Regimento. Ao
longo dos anos ninguém deu bola para isso. Desorganizada, a Fundação Theatro
Municipal está com as portas escancaradas para todo tipo de piratas.
1) Recriação
da Orquestra Jovem (formação de músicos e prática de conjunto). A Orquestra Jovem
foi uma das melhores experiências vividas pelo Municipal. Foi extinta nos anos
70. Seu último Diretor foi o Maestro Nelson Nilo Hack. Seus discípulos ainda
estão aí nas estantes das nossas orquestras.
2) Criação, ou
recriação, da Escola de Canto e Canto Coral (formação de futuros coristas e
solistas). O TMRJ já contou com a “Escola de Canto Carmem Gomes”. Foi transferida
do Municipal para a Escola de Música Villa-Lobos e lá perdeu sua função.
3) Criação da
Divisão de Cenografia, Artes Cênicas e Figurinos. Nos anos 50 e 60 o TM tinha
um setor de cenografia, dirigido por Mário Conde. Dele saíram nomes como Fernando
Pamplona, Arlindo Rodrigues e Joãozinho Trinta (este era do corpo de baile e
depois se projetou elaborando figurinos).
4) Redução no
curto prazo da enorme capacidade ociosa do TMRJ. Transformado pela atual gestão
em casa de aluguel para convescotes variados o TM deve voltar a se dedicar à atividade artística como manda a Lei
que criou a Fundação: “promover, incentivar e executar
atividades culturais, especificamente nos campos da música, dança e
representações cênicas”.
5) Eleição
direta do Presidente da Fundação Theatro Municipal, por Lista Tríplice, a
exemplo do que ocorre nas Universidades Públicas e em fundações federais. Essa
medida simples protegeria o Municipal contra as nomeações políticas, que geralmente
atendem aos interesses do baixo clero e beneficiam empresas e pequenos grupos
de pessoas.
6) Transparência nas contas do TMRJ, uma verdadeira "caixa preta" recheada de contratos marotos. O TM é mantido por dinheiro público e tem a obrigação de prestar contas ao público.
Atividades
1) Recriação da
Temporada Lírica Nacional, resgatando a “Lei Ary Barroso”, Decreto-Lei 248 de
1948, com o objetivo de revelar novos talentos e dar chances aos artistas
jovens –cantores, maestros, bailarinos, músicos, cenógrafos, figurinistas e
técnicos.
2) Organização
anual de uma Temporada de Concertos com a Orquestra do TMRJ. É absurdo um
teatro manter uma orquestra sinfônica de qualidade que vem atuando apenas no
fosso, em óperas, balés e eventos isolados. Isso faz mal aos músicos, ao
público e à cultura do Rio.
3) Organização
de uma Temporada de Balé que corresponda ao nível de qualidade do Corpo de Baile
do Municipal, com a renovação da programação e incentivo à produção de
coreografias próprias. Desde o início dos anos 80 o TM vem apresentando
anualmente a mesma montagem de “O Quebra Nozes”! Um exagero absurdo que beneficia
apenas uma ilustre empresária da dança.
4) Aproveitar espaços
como o Foyer do Theatro para a organização de programação dedicada à Música de
Câmara a preços populares. Público não faltará. Isso já foi feito no passado
com muito sucesso. Sem prejuízo da inclusão desse repertório nas programações
de concerto para o palco. Os próprios músicos da Orquestra Sinfônica do TM
seriam incentivados a formar duos, trios, quartetos etc.
5) Organizar estratégias,
com apoio profissional, de captação de recursos no setor privado para complementar
o financiamento da área artística. O TMRJ jamais fez isso. Sequer empenhou-se junto
ao próprio Governo para conseguir uma posição melhor no Orçamento Estadual.
Recursos
financeiros
Comparativamente a outros teatros do mesmo
porte no Brasil, o Municipal do Rio só tem receita menor do que o Municipal de
São Paulo. Por descaso do atual Governo, o que não é um privilégio do setor
cultural, e por absoluta inoperância (incompetência seria o termo mais
adequado) dos gestores do TMRJ. Mas as comparações com o TMSP são estapafúrdias
e revelam grande dose de ignorância misturada com ma fé. Na verdade, nos
últimos anos, a diferença entre os orçamentos de um teatro e outro não foi tão
grande assim. E
houve ano em que o Municipal de São Paulo trabalhou com orçamento até menor do
que o congênere do Rio. Nem por isso o público de São Paulo ficou privado de óperas e concertos. A diferença é que o teatro de São Paulo tem contado com gente séria e comprometida
com a música. John Neschiling, que comanda atualmente o TMSP, não é uma unanimidade entre os músicos e tem consciência disso. Mas ele é competente e não sai por aí fazendo asneiras.
Como alertado no início, não tive a pretensão
de esgotar o assunto. Também não tenho a arrogância de achar que essas propostas
ou ideias sejam as melhores ou as mais adequadas. Tenho apenas duas certezas: 1)
é preciso debater com seriedade e de forma organizada o futuro próximo do Theatro
Municipal; e 2) Os funcionários do TMRJ e o meio musical do Rio de Janeiro devem
ser os protagonistas da reconstrução do Municipal. Apoio e participação do público não faltarão.
Daqui a três meses o Rio elegerá um novo
Governador. Da mesma forma como tantos outros segmentos sociais, os músicos e
os amantes da música precisam se preparar e estar dispostos a influenciar nas decisões do futuro
governante.