sábado, 17 de novembro de 2012

Minha recordação de Maria Henriques


Maria Henriques intrepretando a Amnéris, da Aida, de Verdi.

Por Marcos Menescal

            Em 1970 eu tinha treze anos de idade e acompanhava com o maior entusiasmo a minha terceira temporada lírica como frequentador das vesperais do Teatro Municipal. Dois anos antes havia assistido a uma infeliz produção de “Il Trovatore” em que o tenor foi contestado pelo público. Nessa temporada, porém, o mesmo “Trovatore” me proporcionaria uma das mais inesquecíveis experiências artísticas da minha vida.

            Fui ao teatro num domingo à tarde, ansioso por ouvir mais uma vez a belíssima voz do soprano Ida Miccolis que interpretaria a Leonora. Eis que, no início do segundo ato, uma pequena figura de mulher, trajada com as roupas da cigana Azucena, faz jorrar uma torrente sonora como eu nunca havia escutado antes. Fiquei imediatamente subjugado pela potência e a beleza daquela voz e, no decorrer do espetáculo, à medida em que o drama se desenvolvia, fiquei eletrizado com a força da caracterização e a intensidade dramática da intérprete. Só mesmo a valentia do “Di quella pira” do tenor Zaccaria Marques e a incomparável beleza da aria da Miccolis no quarto ato puderam me libertar do encantamento hipnótico em a cigana havia me envolvido.

            Assim era Maria Henriques. Uma voz de mezzo-soprano dramático, verdiano, que só encontra paralelo nas principais vozes do seu registro no século XX. É preciso pensar na Barbieri, na Stignani, na Simionato, para evocar a voz de Maria Henriques.

 
Maria Henriques com Tito Schipa
Voz de extensão completa, capaz de enfrentar óperas ligeiras como “O Barbeiro de Sevilha” ou papéis de contralto como a Ulrica verdiana. Tinha um timbre quente, de rara beleza e uma potência inimaginável. Além disso, era uma intérprete dramática de grande poder magnético. No Teatro Municipal, desde que comecei a frequentar as óperas, só a italiana Bianca Berini a igualou como intérprete de Azucena.

            Dois anos depois, ainda no “Trovatore”, Maria Henriques se despedia do público do Municipal, depois de vinte e cinco anos de carreira. Quando o pano caiu ao final da primeira cena do terceiro ato, em que Azucena é reconhecida e presa, o público, levado ao delírio pela interpretação da cantora, chamava-a insistentemente pelo primeiro nome: Maria! Maria! Como a artista relutasse em comparecer sozinha à ribalta, foi carinhosamente empurrada pelo barítono Lourival Braga para receber uma ovação cuja lembrança ainda hoje me emociona.



Recordare - Requiem de Verdi 
Maria Henriques e Leda Coelho de Freitas



Maria Henriques - "Stride la vampa" - Il Trovatore

13 comentários:

  1. Marcos,
    Maria Henriques entra na lista (que não é pequena) de cantores líricos brasileiros que não fizeram carreira internacional porque não quiseram. Se não me engano, em 1956 Giulieta Simionato, que veio ao Rio para a temporada internacional do TM, ficou impressionada com a qualidade da voz de Maria Henriques. Tanto que disse a ela mais ou menos isso: "Você não pode ficar aqui! Precisa ir para a Itália se aperfeiçoar e fazer carreira lá fora".
    abraço
    Henrique

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    1. Paulo Fortes, Fernando Teixeira, Lourival Braga, Assis Pacheco, Ida Miccolis, Aracy Bellas-Campos, Niza Tank, Clara Marize, Diva Pieranti... A lista é enorme!

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  2. Um belo registro de voz. Não a conhecia até então.
    Abs.
    Christina

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  3. Muito bom ouvir duas belas vozes nacionais - Maria Henriques e Leda Coelho de Freitas. Esta última, já falecida, não lembro de ter feito carreira longa em palco. Foi professora da Escola de Música da UFRJ e deve ter formado algumas das boas sopranos que apareceram nos anos 80/90. Recordo-me do sucesso de Leda no papel de Suor Angelica. Maria Henriques, assisti muitas vezes, acompanhando meu pai em seu ofício.
    Muito boa sua participação em nosso blog, Marcos. Escreva sempre!
    Abraços.
    Comba

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    1. Sei que Leda formou o barítono Inácio de Nonno de longa e produtiva carreira.
      Muito obrigado pelo seu carinho, Comba.
      Um grande abraço.
      Marcos

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    2. A única ópera que deixaram a Leda fazer no Municipal foi a Soror Angélica. Porque era negra, já que era uma freira, cantou com as mãos e o rosto maquiados de branco.
      Ganhou todos os prêmios de melhor cantora lírica do ano. Seus sonhos era cantar Lo Schiavo e Aída, mas não conseguiu. Levada pela Maria Henriques, cantou um Trovador nos palcos na Venezuela e uma Tosca numa concha acústica, ar livre, com o Pacheco.

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  4. Parabéns, Marcos!
    Comba, a Leda Coelho de Freitas chegou a ensaiar o Oscar e outros cantores na Escola Nacional de Música para uma apresentação no Teatro Operon, na Ilha do Governador, em 1995. Ela dizia que ele possuía uma linda voz. Leda também foi premiada como uma das melhores intérpretes da canção francesa. Isso quem me contou foi o Henrique ;)
    Beijos.
    Helô

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    1. Obrigado, Helô.
      Leda estudou em Paris. No curso de interpretação operística foi colega da grande Grace Bumbry e, na música de camera, foi aluna do grande intérprete de Poulenc, Pierre Bernac. Foi uma cantora de sólida formação que, aqui no Brasil, não teve a sua justiça.
      Um grande abraço.
      Marcos

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  5. Bom dia,
    Feliz 2014,antes de mais nada.
    Gostaria de ter informações recentes a respeito de Maria Henriques.
    Minha mãe ,Sonia Pereira de Magalhães,foi amiga pessoal dela ,que inclusive teve o privilégio de ter seu canto maravilhoso no dia do casamento.
    Como elas perderam contato ,gostaria que o sr. nos passasse informaçoes,contatos,etc.
    Abraços,
    Sonia A.

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  6. Cara Sônia,
    Obrigado pelos votos de Feliz Ano Novo, que retribuo, e pela visita ao blog.
    Marcos Menescal, o autor do artigo, viajou por uns dias, mas já encaminhei a ele por e-mail o seu comentário. Por favor, escreva para o e-mail do blog (operasempre@gmail.com). Assim poderei passar a você meu e-mail pessoal e intermediar o contato com Marcos Menescal que, com certeza, tem informações sobre os contatos de Maria Henriques. Até onde sei ela ainda mora no Rio de Janeiro.
    Abraço
    Henrique Marques Porto

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    1. Maria Henrique vive com a sua filha em Terezópolis. Telefone: 21 - 2742-3274.
      Um abraço. Lauro Gomes

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  7. Sou sobrinho de Leda Coelho de Freitas, filho de seu irmão Armando Coelho de Freitas. Estou desolado que o podcast da rádio Mec FM não esteja mais disponível. O podcast: A Arte de Leda Coelho de Freitas reunia 10 entrevistas vom ela com sua obra e depoimentos sobre seus trabalhos e estudos e tb sobre sua contribuição como professora. Formada em piano e canto, no Brasil, estudou na França, na Áustria, na Itália. Vnceu o concurso de Chanson Française na França entre outros.

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  8. Sou o produtor Lauro Gomes, que fez os referidos programa coma tua tia e minha professora Leda Coelho de Freitas. Não trabalho mais na Rádio MEC. Mande o teu e.mail para mim que te enviarei quase todos os programas dela que eu tenho: laurogomes@uol.com.br

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