sexta-feira, 28 de março de 2014

Carmem Pimentel (1916-2014)




por Henrique Marques Porto


No dia 26 de março faleceu no Rio de Janeiro, aos 97 anos, a mezzo soprano Carmem Pimentel, uma das artistas mais queridas e respeitadas da ópera no Brasil, e também uma das que mais atuou em nossas temporadas líricas, nacionais e internacionais.  

Conheci Dona Carmem ainda menino, em 1956, figurando como o filho de Cio-Cio-San, em “Madame Butterfly”, de Puccini, que teve apresentações no Theatro Municipal e no antigo Teatro República, com Clara Marisi, Alfredo Colosimo (depois Assis Pacheco), Peter Gotlieb (depois Sylvio Vieira), Carmem Pimentel, Geraldo Chagas, Guilherme Damiano e Carlos Walter. A regência foi do maestro Santiago Guerra, com cenários de Fernando Pamplona e direção cênica de Carlos Marchese.

Criança em palco de teatro –principalmente em meio às complicações da montagem de uma ópera- pode ficar meio solitária e perdida nos bastidores se os adultos do elenco principal não lhe derem alguma atenção e carinho. Mas, com Dona Carmem no elenco, qualquer criança tinha garantidos os afagos e as atenções necessárias para descontrair e encarar tudo como uma grande brincadeira, mesmo num drama pesado como “Madame Butterfly”, onde o menino ou menina “testemunha” a cada récita o suicídio da “mãe”. Mas, nos anos 50 e 60, Carmem Pimentel era quase a Susuki oficial nas muitas montagens que tivemos da ópera de Puccini. O amparo estava assegurado. O título desse artigo poderia ser: “Susuki faleceu ontem no Rio de Janeiro”.  

Da montagem de 1956 de “Madame Butterfly” guardei na memória muitos momentos -pequenos flashs de cenas dos ensaios e das récitas. Cenas de bastidores e de palco. Um, em particular, minha memória guardou como um filme, em sequência inteira. Nas montagens daquela época a criança ficava mais tempo em cena, desde a entrada até o final do segundo ato. E permanecia em cena na execução do Coro a bocca chiusa e no interlúdio (o amanhecer) que faz a passagem para o último ato. Saía de cena no colo da protagonista, que embala o filho adormecido, e voltava para o final da ópera.

No final do segundo ato, na marcação de Carlos Marchese, o diretor de cena, os três personagens (Cio-Cio-San, Susuki e o filho) deveriam ficar em pé, com os rostos colados ao shoji, à espera da chegada de Pinkerton. Cai a noite. Clara Marisi, a Cio-Cio-San, abria com o indicador um buraquinho no shoji, para que o filho também pudesse olhar o Porto de Nagazaki. Um pequeno detalhe que em teatro faz muita diferença. A cena acentuava a solidão dos três personagens. Nos ensaios, Carlos Marchese orientou: a criança deveria buscar o colo de Susukiadormecer pouco a pouco. Então, lá fui eu para o colo de Dona Carmem, que já se acomodara no chão. Cio-Cio-San permanecia de pé. O resto da cena quem fez a direção foi Dona Carmem, sussurrando baixinho no meu ouvido.

“-Agora, finja que está com sono...isso...Feche os olhos devagarinho... Agora, durma...”

O colo de Carmem Pimentel era acolhedor. Dos bastidores vinha a música sublime e comovente do famoso Coro. Fim do ato.

Chegou a vez de tantas e tantas antigas crianças, como aquela que eu fui, acolherem Carmem Pimentel no aconchego da memória -o colo que podemos lhe oferecer- para que seu sono, agora eterno, seja tranquilo e sereno como eram os nossos na fantasia do palco de um teatro. 

"Agora durma..." Durma em paz, Dona Carmem.



Dueto das Flores - Madame Butterfly
Carmem Pimentel e Clara Marisi

terça-feira, 25 de março de 2014

Magda Olivero 104 anos


Magda Olivero compie 104 anni: auguri da tutto il mondo

Oggi il grande soprano festeggerà nella sua casa milanese


Magda Olivero


La casa è già «invasa» di fiori profumati e colorati che la rallegrano molto. Sulla sua bacheca Facebook ci sono messaggi d’auguri da tutto il mondo. Oggi (martedì 25 marzo) è il 104° compleanno di Maria Maddalena, detta Magda, Olivero. Una fra le più celebri soprano della storia della musica è nata il 25 marzo 1910 a Saluzzo. Da decenni vive a Milano. 
"Domani (oggi) festeggerò con amici qui a casa – dice al telefono – dove abbiamo previsto il taglio della torta".  

La Stampa
http://www.lastampa.it/

Lição de canto com Magda Olivero

quarta-feira, 19 de março de 2014

Um “Werther” arrebatador



Jonas Kaufmann. "Werther" no Metropolitan Opera House.

por Comba Marques Porto

Históricos tenores celebrizaram “Werther”, de Jules Massenet (1842-1912), pelo mundo afora a partir da estreia desta ópera em Viena em 1892, quando cantada em alemão. No Rio de Janeiro a primeira apresentação deu-se em 1905 no Teatro Lírico (montado em 1857, na rua da Guarda Velha, atual Treze de Maio, demolido em 1933). Após a inauguração do Municipal em 1909, “Werther” esteve com frequência nas temporadas líricas programadas até os anos 70/90. Destaco Armando de Assis Pacheco (1914-2006) como dos melhores intérpretes do papel de Werther entre os cantores brasileiros. Muito sucesso ele fez por aqui com sua voz típica de tenor lírico dotada também de força e volume, atributos necessários, ao meu ver, aos papéis dramáticos como o de Werther. 

Passo em revista as várias montagens de “Werther” que assisti no Rio e mais as gravações ouvidas por toda a vida, desde o tempo do rádio quando ainda pequena aprendi a gostar de ópera com meu pai, para concluir que “Werther” é uma das óperas de que mais gosto. Por isso, em boa hora decidi enfrentar o frio novaiorquino deste mês de março para assistir a montagem de “Werther” do Metropolitan Opera House. Na regência o maestro francês Alain Altinoglu de apenas trinta e cinco anos e muita competência. Direção de cena de Richard Eyre, diretor de teatro e cinema que, em 1994, assinou a montagem de "La Traviata" do Royal Opera House, sob regência do maestro Georgi Solti (1912-1997), com a soprano Angela Gheorguiu no papel de Violeta. Integraram o elenco deste “Werther” em papéis principais: o tenor Jonas Kaufmann como Werther, as sopranos Sophie Koch como Charlotte e Lisete Oropesa como Sophie e o barítono David Bizic como Albert. Foi uma encenação de fato encantadora. Viu-se toda a moderna tecnologia de palco do MET a serviço de uma concepção em respeito à estética da obra. Justos aplausos para figurinos e cenários incrementados por recursos visuais em projeções, sob a responsabilidade de Rob Howell. 

Jules Massenet (1842-1912) amava a novela de Johann Wolfgang von Goethe – ‘Os Sofrimentos do Jovem Werther” – escrita em 1774. Nela se baseou para escrever sua ópera “Werther”, considerando-a uma das experiências mais fascinantes de sua carreira. Chegou a declarar: “Em Werther coloquei toda minha alma”. Não deve ser por acaso que no pequeno recitativo que antecede a célebre ária  “Pourquoi me réveiller...” (3º ato), Werther canta: 

“ Traduire...Ah! bien souvent mon rêve s’ envola 
Sur l’ aile de ces vers, et c’ est toi, cher poête, 
Qui, bien plutôt, etait mon interprète!
Toute mon âme est là!    

Então, me indago: qual teria sido o tipo de voz de tenor pensada por Jules Massenet ao conceber e escrever a parte de Werther? Uma voz leve e lírica para combinar com a fragilidade do atormentado personagem ou uma voz de tenor mais encorpada para melhor traduzir a intensidade dramática do caminho de Werther ao suicídio? Não é de meu conhecimento que Massenet tenha declarado algo sobre isso. Dentre as belas interpretações de Werther que conheço, a de Kaufmann passa a ser a de que mais gosto. Toda sua alma estava ali e se expressava com vigor e beleza, através de sua voz de tenor spinto. Eis um Werther verdadeiramente arrebatador!

A escrita de Massenet para esse grande trágico da ópera que é o Werther aceita desde as vozes leves às essencialmente dramáticas. Dos tenores lírico-ligeiros (Tito Schipa, por exemplo) aos tenores heroicos, todos se acomodam bem na partitura de Massenet. No caso do “Werther”, para os tenores ocorre situação semelhante a enfrentada pelos sopranos em “Madame Butterfly”, de Puccini, papel compartilhado por sopranos líricos e dramáticos. A entrada de Werther é mansa e lírica, assim como a de Cio-Cio-San em Butterffly. São os únicos momentos em que esses personagens desventurados vislumbram o amor e uma possível felicidade, que está ali ao seu alcance. Mas já no final do primeiro ato essa felicidade se desfaz como uma nuvem e ambos os personagens crescem em vigor dramático, exigindo vozes mais robustas. Werther, no final de seu dueto de desamor com Charlotte cai em desespero; Cio-Cio-San olha a noite e sonha com as estrelas, enquanto Pinkerton tem pressa em iniciar já a noite de "amor" que será a última. 

Devo confessar que minha maior motivação para viajar a Nova York foi a de ver e ouvir o alemão Kaufmann de quem já sou fã desde que assisti a transmissão pelo cinema da matinê da Walquiria em 2011 (James Levine/Robert Lepage) em que ele cantou o papel de Siegmund. Sua poderosa voz moldada pelo sentimento conferiu imensa força aos sofrimentos do jovem Werther. E que beleza o contraste entre os agudos solidamente sustentados e os pianíssimos de verdade – não falsetes – que bem marcaram a cena final da morte de Werther.  

Kaufmann é mais que uma voz – seu desempenho teatral, elemento essencial à ópera, compõe a performance vocal com muita expressividade. No auge de sua carreira iniciada em 1997, conquista hoje a posição de uma voz única, como lembrou Henrique Marques Porto, invocando “Vozes Paralelas”, livro em que o tenor Giacomo Lauri-Volpi (1892-1979) analisa cantoras e cantores célebres aos pares nos respectivos registros, destacando as vozes por ele consideradas incomparáveis. Neste rol Lauri-Volpi teria colocado a voz de Jonas Kaufmann, ainda que emparelhada com a sua própria, já que vaidade não lhe faltava... Muito orgulho tenho de Kaufmann e sua voz rara pela diversidade do repertório já dominado, voz que ainda há de nos trazer muitas alegrias por ser ele ainda jovem. 

Kaufmann é pessoa afável, nada afetada, como testemunhei na tarde de autógrafos de seus DVDs e CDs, quinta-feira, 13/03, na loja do MET. Em dois minutos de prosa, fiz menção ao Rio de Janeiro como importante capital da ópera no passado. Kaufmann me afirmou que conhecia essa história. Indaguei sobre quando viria cantar para nós no Brasil e ele respondeu que pretende fazer uma turnê pela América Latina. Oxalá a administração do Theatro Municipal se interesse por isso!   

Aproveito a oportunidade para citar e lembrar o saudoso tenor Oscar Peixoto, falecido em 2012, que deixou neste blog um ótimo e esclarecedor artigo sobre a ópera “Werther” , o qual tomei como fonte de pesquisa para esta crítica. Sugiro que leiam: “Werther – o poeta e a morte por amor” (Aqui). Oscar amava esta ópera e ficaria encantado com a recente montagem do MET.  


Jonas Kaufmann fala sobre o "Werther"