quarta-feira, 24 de junho de 2015

Isaac Karabtchevsky deixa o Municipal do Rio. Enredo mal explicado.


Maestro Isaac Karabtchevsky


Por Henrique Marques Porto

A demissão do maestro Isaac Karabtchevsky (a pedido ou não) da Presidênca do Theatro Municipal do Rio de Janeiro é péssima notícia para a vida musical carioca. Alguém poderá dizer que este humilde comentarista está pensando com uns parafusos a menos na cabeça. Afinal, na gestão do maestro a programação do TM foi muito fraca, marcada pela improvisação, e pela carência de recursos e planejamento, apesar das suas melhores intenções e das boas ideias e projetos que certamente ele devia ter em mente para a casa, inclusive a captação dos recursos financeiros necessários para programar uma boa e variada temporada de arte, como exige o público do Rio e de outros estados. Saiu e ninguém sabe ao certo as motivações. Contudo, existem suspeitos de terem contribuído, ou mesmo maquinado a saída do maestro Isaac.

Seria bom explicar melhor

Não quero cometer a audácia de ficar dando sugestões ao maestro Isaac, mas creio que ele já deve ter percebido que o episódio precisa ser esclarecido para não ficar boiando nas marolas das versões disse-que-disse das notinhas das colunas, inclusive as especializadas em fofocas mundanas e temas que nada têm a ver com arte e música. Só o maestro pode colocar os pingos nos ii.

Outra pequena parte do que circula em notas curtas da imprensa quem deve esclarecer é a Secretaria de Cultura. Diz a Secretária que também foi demitido, ou demitiu-se, o Sr. Emílio Kalil, que assessorava o maestro Karabtchevsky. Como assim, Dona Doris? Como pode a Secretaria “demitir” alguém que jamais “contratou”? Cada uma... Também não encaixa a justificativa, no melhor estilo desculpa esfarrapada, de “problemas de agenda” do maestro. Ora bolas, ele já tinha essa agenda quando assumiu o cargo! Ou não tinha?

O fato é que o maestro Isaac conseguiu o que muitos tentaram antes dele sem nenhum sucesso. Ele conquistou a confiança e o apoio dos artistas do Municipal. Além disso, têm o respeito e a admiração do público. Todos -artistas e público- estavam esperançosos de que o TM, dirigido por Karabtchevsky, tinha reais possibilidades de recuperação e reerguimento no médio prazo. Apenas para lembrar, foi o maestro que, de público, pediu ao Governador do Estado maior atenção ao Theatro Municipal, mencionando a necessidade de maior suporte financeiro por parte do Estado. Terá sido esta a razão dos conflitos que culminaram com o seu afastamento? É possível.

Governantes apreciam os funcionários subservientes, que não reclamam por melhor posição no orçamento e são dóceis a seus interesses, algo difícil de acontecer na área da cultura quando o funcionário é pessoa séria e comprometida com a arte.  

Terceirização?

Mas, podem ter sido acionados objetivos bem piores em meio a essa encrenca. Há quem suspeite -com fundadas razões- que, por trás da demissão do maestro Isaac Karabtchevsky estaria uma nova tentativa de terceirizar o Theatro Municipal, como foi tentado em 2009, e entregá-lo a alguma OS (Organização Social) dessas que existem por aí, algumas sendo investigadas pelo Ministério Público e pelos órgãos de fiscalização do Estado. Se essa hipótese se confirmar, o Governo de Luiz Fernando Pezão terá pela frente fortíssima oposição dos artistas e da opinião pública. Isso é tão certo que só um tolo seria capaz de subestimar as consequências. O bom senso recomenda, portanto, que o Governador ouça com muita cautela seus conselheiros para essa área.

Futuro

O futuro presidente da Fundação Theatro Municipal do Rio terá pela frente grandes desafios. O primeiro deles será conquistar de imediato a confiança dos funcionários da instituição e também do público. Belos discursos vazios, recheados com as frases de efeito de sempre, não funcionarão!

A Orquestra quer tocar. O Coro e os solistas querem cantar. Os bailarinos e bailarinas querem dançar. São funcionários da casa e estão lá para isso. É o seu trabalho e o público quer vê-los trabalhando no mais nobre palco do Estado.

Se quem chegar ao TM para ocupar o posto do maestro Isaac Karabtchevsky não apresentar projetos sólidos, exequíveis e capazes de conquistar a confiança da comunidade musical do Rio de Janeiro terá pouquíssimas chances de sucesso. Não importa o quão festejado (a) seja.


O Municipal do Rio, apesar de pauperizado e mal tratado por sucessivas administrações é ainda alvo da cobiça de muitas pessoas e grupos de pessoas, cujos egos e interesses se inflam diante da possibilidade de dirigi-lo. Mas o que se quer é algo bem simples: honestidade, seriedade e compromisso sincero com uma instituição tão importante como o Municipal do Rio. 

De forma discreta e lentamente Isaac Karabtchevsky vinha semeando. Saiu e a futura colheita aparentemente está perdida. O que plantará o seu sucessor é um mistério. Trocaram o que podia dar certo pelo imponderável. O Municipal do Rio definitivamente não é um teatro para principiantes.  

terça-feira, 2 de junho de 2015

Ida Miccolis. O silêncio de uma grande voz.



Ida Miccolis (1920-2015) 


por Henrique Marques Porto

Numa certa noite no início de 1978 o telefone tocou em minha casa. Ao atender ouvi a voz de Ida Miccolis. Naquele dia o “Jornal do Brasil” publicara na íntegra longa carta minha na sessão dos leitores. Era assim naqueles tempos: os jornais respeitavam seus leitores e não cortavam ou editavam a opinião dos outros. Na carta eu denunciava o que vinha acontecendo no Theatro Municipal –o afastamento dos nossos melhores cantores, regentes e até técnicos para favorecer artistas de outros países, entre outras tolices que estavam cometendo. O saco de maldades praticamente encerrou algumas carreiras. Entre os exemplos que citei na carta estava Ida Miccolis. Carinhosa e atenta, ela conseguiu meu número de telefone e ligou para agradecer, falando de um jeito que lhe era característico –elegante, sensível e musical, como quem canta um recitativo. Se despediu dizendo que antes de dormir iria rezar pelo meu bem estar. Coloquei o telefone no gancho e, comovido, fiquei pensando na fragilidade e grandeza daquela grande artista, que naqueles dias estava sendo desrespeitada e negligenciada.  

Ida foi uma cantora fantástica. Na conversa que tivemos ela falou um pouco sobre a carreira. Confessou que tinha dificuldade para ler partituras, mas que era aplicada e aprendera muitos papéis ouvindo as óperas em gravações de referência, entre elas a dificílima “Tosca”, de Giacomo Puccini. Essa informação basta para se ter noção do tamanho do talento e da musicalidade de Ida Miccolis. A propósito, lembrou que ficara muito tensa em 1972, quando cantou a “Tosca”, no Municipal do Rio, com Carlo Bergonzi e Gian Piero Mastromei.

“-Tivemos apenas um ensaio no palco, com orquestra! – lembrou ela.

Ela conhecia bem a ópera. A ansiedade ficava por conta de ter que contracenar com dois grandes nomes de fama internacional, a começar por Bergonzi, que era a grande estrela do espetáculo. Pois cantou lindamente, e se impôs como protagonista da ópera. Ficou feliz com os aplausos do público e com os elogios que ouviu de Carlo Bergonzi.

Por mais de vinte anos a bela Ida Miccolis marcou época nas temporadas líricas do Rio, São Paulo e outras capitais. Poderia ter tentado a carreira internacional. Voz e beleza de timbre ela tinha para ser reconhecida em outros países.  

Em montagem de ópera, apresentou-se em público pela última vez em 1985, no Theatro Municipal, numa sensível homenagem organizada por Fernando Bicudo, que era diretor da Divisão de Ópera do TMRJ. Homenagem a ela e ao tenor Assis Pacheco, seu par em tantas e tantas récitas memoráveis.


Ida Miccolis faleceu hoje aos 95 anos. Não mereceu dos jornais e da autodenominada “crítica especializada” sequer uma breve notícia ou nota de rodapé. Mas o público que teve o privilégio de conhecê-la não a esquecerá.  


Tosca -Final do último ato. Ida Miccolis e Carlo Bergonzi. 1972.