terça-feira, 24 de julho de 2012

Wagner e Verdi: vidas paralelas

Aloisio Teixeira


O texto que se segue é de autoria do professor Aloisio Teixeira, ex-reitor da UFRJ, falecido ontem, dia 23 de julho de 2012. Chegou-nos recentemente sob a forma de mensagem remetida ao grupo de debates criado sob inspiração deste blog, Opera Sempre. Homem de rara cultura e profundo senso humanista, Aloisio dedicou-se à ópera com sua sensibilidade musical e com sua vocação para o estudo e para o conhecimento.

O texto ora publicado encerra, provavelmente, a sua última reflexão sobre tema operístico, traçando um paralelo entre dois dos maiores compositores da história da ópera - Verdi e Wagner. Com esta publicação prestamos nossa homenagem ao amigo querido e companheiro de ópera que ficará para sempre em nossa lembrança, com imensa saudade.   

Comba Marques Porto e
Henrique Marques Porto

Wagner e Verdi: vidas paralelas




Sempre tive muito preconceito com Wagner. Por motivos político-ideológicos (sua amizade com Nietzche e seu suposto anti-semitismo - o que o aproximaria do nazismo; sua filha, que dirigiu o Festival de Bayreuth após sua morte, era nazista e amiga de Hitler) e por motivos musicais (e aqui falo de minha iniciação musical pela ópera italiana, especialmente Verdi).

Felizmente hoje existem várias biografias de Wagner que nos permitem ter uma visão um pouco diferente de suas idéias e de sua vida. O que temos sobre as relações entre os dois compositores é pouco: todos dizem que não se conheceram e fizeram observações depreciativas sobre a obra um do outro. Apesar de Verdi ter lamentado a morte de Wagner, quando dela teve notícia.

Verdi, por certo, foi um sucesso desde logo - ou, pelo menos, desde a estréia de Nabuco. Verdi tinha uma posição política clara, era defensor da unificação italiana e participou do Risorgimento (remember Gramsci). Não por outra razão seu nome está ligado ao de Vitor Emanuel II, rei da Sardenha e primeiro rei da Itália unificada (em 1861): é o "Viva V.E.R.D.I.” (Vitor Emanuel Ré Di Italia). 


Sua música é uma expressão perfeita do romantismo italiano, movimento artístico que, em todos os países, esteve ligado às aspirações de uma burguesia em ascensão e que buscava estabelecer raízes (e formas) nacionais. E ópera, ademais, era a manifestação musical mais adequada à nova classe que se tornava dominante, constituindo-se como empreendimento comercial desde logo.

Quanto a Wagner, não acho que se possa dizer apenas que era um homem astuto, que "reunia, de preferência, príncipes ricos e meio doidos para financiar suas produções revolucionárias", ainda que essa afirmação venha adoçada com o "genial, socialista, sedutor e muito esperto". Até porque todos os compositores da época, de uma forma ou outra, acabaram encontrando seus mecenas para financiar suas atividades. Mesmo Verdi, no início, com Antonio Barezzi. Acho que socialista, Wagner pode ter sido (com pendores para o anarquismo), mas esperto não era; e sedutor também não sei - talvez instável (pelo menos até conhecer a filha de Liszt, sua última esposa); resta o genial... 

Wagner era um homem amargurado: dúvidas sobre a verdadeira identidade do pai, órfão muito cedo (do pai e do padrasto), conheceu a pobreza; tinha mania de grandeza e era um jogador obsessivo; acumulava dívidas que o obrigaram a fugir para Riga (onde a primeira mulher teve um caso com outro homem) e o levaram a prisão em Paris; e, quando parecia que ia estabilizar sua vida em Dresden, aderiu à Revolução de 1848.

Essa é uma passagem interessante de sua vida, pois a adesão à Revolução não foi apenas uma manifestação de apoio intelectual; ele pegou em armas, integrou a Guarda Comunal Revolucionária. A própria Revolução é um fato histórico curioso, pois é uma "revolução mundial" (a "primavera dos povos" como foi chamada) em um mundo em que não havia internet, nem TV, nem rádio, em um mundo no qual o telégrafo dava seus primeiros passos e as estradas de ferro ainda engatinhavam; em poucas semanas ela se estendeu da França à Alemanha, ao Império Austro-Húngaro, à Itália e aos mais afastados rincões da Europa (até no Brasil teve efeitos - houve uma revolução em Pernambuco nesse ano, cujos panfletos mencionam os acontecimentos da Europa). Pois bem, Wagner participou desses episódios em Dresden, junto com Bakunin (o famoso anarquista) que por lá andava e de quem se tornou amigo. Resultado: com a derrota da Revolução, Wagner teve novamente que fugir para não ser preso e condenado (tal como Bakunin), passando 11 anos no exílio.

Berlim, 1848: a "revolução mundial" ou a "primavera dos povos".

No exílio, em Zurique, foi "adotado" por um empresário, mas acabou tendo um caso com a esposa de seu protetor e teve que abandonar a cidade; vai para Veneza de onde é expulso; convidado por Napoleão III, monta Tannhäuser em Paris, mas o espetáculo acaba em tumulto.

Há uma história de que, em Zurique, recebeu um convite de D. Pedro II para vir estabelecer-se no Brasil, mas a coisa não prosperou. D. Pedro II, anos depois, compareceu ao primeiro Festival de Bayreuth e conversou com Wagner. Imaginem: se a coisa houvesse prosperado, o Festival de Bayreuth poderia ser o Festival do Rio de Janeiro - ou de Petrópolis, cidade imperial...

Só em 1860 Wagner foi anistiado e pôde retornar à Alemanha, sendo então "adotado" pelo rei da Baviera, que pagou todas as suas dívidas (ele continuava até então cheio de dívidas, tendo, vez ou outra, que fugir e se esconder). E só nessa época conheceu alguma estabilidade (afetiva e financeira). Mesmo assim teve novamente que voltar a se exilar na Suíça, quando o Parlamento da Baviera revoltou-se contra os gastos excessivos que o rei fazia com Wagner (dizem que o rei era homossexual e apaixonado por Wagner, tendo chegado a propor-lhe abdicar e ir viver com o compositor em Zurique); mesmo assim o rei continuou a pagar-lhe régia pensão. E foi esse rei que bancou o novo teatro em Bayreuth.

Nesse último período, Wagner já era um compositor famoso: na estréia da Valquíria, em 1870, estiveram presentes Liszt, Brahms e Saint-Saëns.  E na abertura do primeiro Festival de Bayreuth compareceram Guilherme I, Imperador da Alemanha,  D. Pedro II, Imperador do Brasil, o tal Rei da Baviera, Nietzsche, Liszt, Saint-Saëns, Bruckner e Tchaikovsky.

Creio que a tese da "troca de figurinhas" entre Wagner e Verdi se sustenta, mesmo que não diretamente. Ambos conheciam a obra um do outro e a influência pode não ser um processo consciente. E as manifestações de desapreço que pronunciaram não devem ser levadas muito a sério.

Wagner era obsecado pela idéia da "ópera alemã", numa Europa em que a ópera italiana havia se tornado hegemônica (mesmo na Alemanha e no Império Austro-Húngaro, onde  Salieri - injustamente retratado no filme Amadeus, de Milos Forman - aliás um ótimo filme - foi compositor oficial).

Num domingo, ouvi em CD O Ouro de Reno, e depois A Valquíria. Belas gravações com Christa Ludwig e Jessie Norman. Continuo maravilhado com essa composição. Não adquiri o hábito de assistir a DVD's nem gosto das óperas no cinema (embora reconheça que esse é, e será cada vez mais, o caminho pelo qual as novas gerações se aproximarão de uma forma musical tão rica. Gosto de ouvi-las em disco (ou CD, hoje em dia) e de vê-las ao vivo. Foi assim que minha geração aprendeu a gostar de ópera - apurando a sensibilidade musical nos discos e a visão da representação com as apresentações ao vivo no velho Theatro Municipal, ainda que muitas delas tenham sido bem estranhas ...

Abraços a todos,
Aloisio


 Verdi - Requiem

Leontine Price/Pavarotti/Cossoto/Ghiaurov
Herbert von Karajan  1967



Wagner - Das Rheingold - Met 1990 (integral)

quinta-feira, 12 de julho de 2012


 Comentário ao post "Rigoletto matou-se ontem no Rio!" 

por Comba Marques Porto

Sua crítica sobre o Rigoletto em cartaz no Teatro Municipal me lembra os bons tempos em que a imprensa tinha papel destacado no sentido da formação de uma “cultura de ópera” que, ao meu ver, nesta cidade, se perdeu. Por aí, em parte, explica-se a estranha reação das pessoas que gargalharam no momento em que o bufão descobre-se vítima de sua própria urdidura: no lugar do Duque, cujo assassinato encomendara a Sparafucile, encontra sua filha – o seu maior tesouro.

Onde a ópera não se faz ao vivo e com frequência, morre o debate, rarefaz-se a difusão de informações, enfraquece-se o conhecimento sobre o gênero. Resultado disto é o comportamento disparatado do público.

Neste ano de 2012, a história se repete: não temos uma temporada estruturada, como a que transcorre no vizinho Teatro Colón, de Buenos Aires. Não consta do noticiário econômico que os argentinos estejam mais ricos do que nós. Entretanto, o Colón está vivo, apresentando uma temporada de ópera rica em títulos, inclusive com novidades, como a Tetralogia, de Wagner, em uma só sessão, em parceria com o teatro de Bayreuth. Já o Municipal registrará neste ano apenas duas óperas – Rigoletto e Traviata (anunciada).

Quando ainda não se falava em globalização, as estrelas da ópera europeia faziam excursões completas por essas bandas do sul, com parada obrigatória no Municipal do Rio e no Colón de Buenos Aires. As articulações ocorriam, a despeito das facilidades da internet e de todo o dinheiro que corre hoje mal aplicado aqui e pelo mundo afora.

Ainda sobre o Rigoletto, acrescento que, de fato, o libreto de autoria do Francesco Piave não abriga a ideia do suicídio do indigitado bufão. 

Filmagens em São Conrado para as cenas do suicídio de "Rigoletto"

Assim termina o texto:

RIGOLETTO
Glda! mia Gilda! ... È morta! ...
Ah, la maledizione!


(Strapandosi i capeli, cade sul cadavere dela figlia.)
FINE.

Arrancando os cabelos, Rigoletto cai sobre o cadáver da filha. É o que anota Piave como movimentação cênica para o final da ópera.

O trabalho do Sr. Maestrini me pareceu bonito, sintonizado com a estética da obra. Porém, a ideia do suicídio de Rigoletto, como acima se vê, não consta da obra de Verdi/Piave. Não li e não tenho à mão o romance do Victor Hugo – Le Roi s’amuse – em que se baseou a feitura do libreto da ópera. Até gostaria de saber se consta da obra a cena do bufão atirando-se ao rio. Se consta, com todas as vênias, parece-me uma solução óbvia e pobre, pois o verdadeiro suicídio do bufão ocorre psicologicamente, quando se dá conta do resultado trágico e doloroso de sua vingança.


A licença poética é um importante recurso que tantas vezes multiplica e embeleza a obra de arte, sobretudo no teatro e na ópera. Mas é sempre bom ter em mente o compromisso com o sentido original pensado pelo autor. No caso da ópera, a chave está no libreto. Admiro muitas das montagens contemporâneas que engradecem a obra com inimaginável criatividade. Mas defendo a lealdade ao libreto. As melhores audácias visuais e cênicas são exatamente aquelas que não se distanciam do libreto.

segunda-feira, 9 de julho de 2012


Rigoletto matou-se ontem no Rio!

O bufão: "diforme", "povero" e agora também suicida.



 por Henrique Marques Porto

Enfim o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu as portas para apresentar ao público carioca o seu primeiro espetáculo de ópera em 2012. O Rigoletto que estreou ontem, domingo, dia 08 de julho, foi anunciado em fevereiro, muito mais como uma intenção do que como programação definida, já que nenhuma informação foi dada sobre o elenco, o regente e a montagem. Idem em relação aos outros dois títulos que compõem a “temporada lírica” do TM para este ano –a opereta A Viúva Alegre, de Franz Lehár, em outubro, e a Traviata, de Verdi, em novembro, ambas ainda sem elenco. Quer dizer, o plano parece ser este: primeiro escolhem-se os títulos, depois busca-se o elenco, quando deveria ser o contrário. De qualquer forma é preciso saudar e elogiar o esforço feito pela direção artística do TM.  

O Rigoletto é um personagem de extraordinária força dramática. Certamente o maior de toda a produção verdiana, e um dos maiores e mais desafiadores papéis de todo o repertório operístico. O próprio Verdi comentou assim o seu bufão, quando a censura da época tentou impedir que ele desse vida à “grotesca” figura do corcunda: 

 “Acho belíssimo apresentar esta personagem, externamente disforme e ridícula e, internamente, apaixonada e cheia de amor. Escolhi-o exatamente por todas estas qualidades e esses traços originais. Se forem tirados, não poderei mais compor a música.”

Pois se um barítono que interpreta esse personagem não é capaz de expressar essas características tão contraditórias –o ser disforme por fora, e que por dentro é capaz de amar, mas também de odiar e planejar assassinato- estará retirando do personagem toda a sua força dramática. Quando isso acontece temos no palco não o grande trágico, mas apenas uma sombra, ou uma caricatura sua. 


Roberto Frontali
Foi assim o Rigoletto que Roberto Frontali apresentou no TM, em tarde chuvosa e de temperaturas baixas no Rio de Janeiro. O frio parece que alcançou também a inspiração do barítono. Frontali nos brindou com um Rigoletto de pouca expressividade, fraseado pobre e desempenho teatral tímido, quase burocrático. A voz é pequena e não se destaca pela beleza do timbre, mas possui recursos, inclusive técnicos, para superar essas limitações e se apresentar melhor na pele do bufão. 

Verdi e Piave foram generosos. O Rigoletto oferece ao barítono um punhado de cenas de grande densidade dramática, um texto eloquente e frases musicais inspiradíssimas. Deram ao protagonista esse primor de cena no segundo ato, que é o “Non, Vecchio, ti ingani! Um vindice avrai!”. Nesta frase, ao mesmo tempo tão simplória pela promessa de vingança e tão imponente, se concentra toda a tragédia do Rigoletto. Cantada com displicência ela perde o conteúdo e enfraquece o final do ato, no dueto com Gilda. Essa ópera depende muito do protagonista, que conduz todo o drama. Se acaso ele falha, todo o resto fica comprometido.

Felice Varesi, o primeiro Rigoleto
 No tempo em que Verdi compôs o Rigoletto os barítonos na Itália eram também chamados de “mezzo-tenores” –vozes bem circunscritas ao centro do registro, sem muitos recursos para as notas altas e os graves. Vozes de timbre mais robusto e colorido mais escuro só apareceriam bem mais tarde, principalmente com Ricardo Stracciari e Tita Ruffo. No entanto, Verdi escolheu para criar o seu bufão o barítono Felice Varesi (1813-1889), que segundo a crônica possuía “voz vibrante, pastosa e sonora, amplo fraseado, nobre ardor artístico e ímpeto apaixonado”. Foi para um barítono com essas características que Verdi criou o Rigoletto. Não parece ser o caso de Roberto Frontali que, se tivesse cantado no século dezenove, provavelmente seria classificado como um "mezzo-tenor". Ele possui outras qualidades, não aquelas. Bom exemplo foi a cena final da ópera. O agudo na frase “Ah! La maledizzione!” não foi escrito por Verdi, mas ao longo do tempo criou-se uma espécie de tradição que os barítonos procuram seguir, embora tenham a opção de cantar como está na partitura original. Frontali optou pelo agudo, embora não o alcance com facilidade. O resultado foi o que se ouviu: uma nota meio tom abaixo, que só impressionou ouvidos menos atentos. 

Pouco antes, na mesma cena, quando Rigoletto confirma que o corpo à sua frente é o de Gilda e não o do Duque de Mântua, ouviram-se risos vindos dos balcões. Quem estava mais próximo do palco pode notar que por pouco essa estranha reação quase tirou a concentração do experiente Frontali e da jovem Artemisa Repa. Do quê riram afinal? Logo depois, os mesmos risonhos espectadores aplaudiram vibrantemente o final cinematográfico da ópera concebido por Pier Francesco Maestrini.     

No espetáculo de ontem, o destaque do elenco foi sem dúvida o tenor Fernando Portari, cuja atuação ficou uns pontos acima do conjunto. Portari demonstrou domínio perfeito do papel, com voz segura e bem projetada, e fraseado correto e inteligente. Cenicamente também esteve muito bem, interpretando o personagem segundo a prescrição do próprio Verdi: “o Duque tem um caráter nulo e deve ser um libertino; não é, porém, repelente”. Cantando em sua cidade natal, Fernando Portari confirmou mais uma vez ao público carioca as razões do seu sucesso em importantes palcos do exterior. 

Gilda foi a jovem soprano albanesa Artemisa Repa. É soprano lírico, o timbre é agradável, mas a voz –talvez pela impetuosidade da juventude- ainda se projeta de forma desigual, notadamente nos agudos. Apresentou uma versão correta do “Caro nome”, com pequenas indecisões nas coloraturas que tentou fazer. Pode construir melhor esse personagem. Tem boa voz e muito caminho pela frente. 

Sávio Sperandio e Adriana Clis deram qualidade aos irmãos malfeitores Sparafucile e Madalena. Sávio se ressentiu de não ser um “baixo profundo”, desejável para o Sparafucile, mas afinal esse é um registro vocal em extinção –se é que já não está extinto. O famoso “Quarteto” do último ato foi talvez o melhor momento de toda a ópera, com ótimas participações de Adriana e Portari. O Monterone, geralmente cantado por um baixo, coube ao barítono Manuel Alvarez, uma voz que merece ser melhor aproveitada. Há alguns anos se apresentou muito bem no Paolo, do Simon Bocannegra, com elenco de nível internacional. 

O regente português Osvaldo Ferreira deu alguma consistência à frágil sonoridade da combalida Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal. Ferreira conduziu com sobriedade o conjunto, amparando os solistas. A orquestra precisa, com urgência, convocar concurso para preencher as estantes vazias –ocupadas por músicos contratados- e organizar uma agenda própria de concertos. Ficar apenas tocando no fosso, acompanhando óperas e balés desestimula individualmente os músicos e não dá personalidade ao conjunto. 

O cenário concebido por Alfredo Troisi para o segundo ato do Rigoletto.

Excelentes os cenários de Alfredo Troisi e a direção de Pier Francesco Maestrini, que foram buscar inspiração nos ambientes de uma mansão da família de Maestrini no bairro de São Conrado. Isso talvez explique alguns pequenos excessos nos elementos cênicos. Em algumas cenas do primeiro ato o palco ficou um tanto poluído, desviando a atenção do público para o mais importante que é a música e a atuação dos solistas. Pequenos ajustes na marcação de palco seriam desejáveis, particularmente na cena de Monterone, que deve ser mais valorizada pela importância que tem em toda a trama.

Pier Francesco é competente seguidor da onda atual de combinar efeitos de projeção e iluminação. Mas também coloca no palco muitos elementos das montagens tradicionais, certamente uma herança deixada por seu pai, Carlo Maestrini, cujo trabalho o público carioca conheceu na temporada lírica de 1964. 

Destaque para a excelente iluminação de Jorginho de Carvalho que, sem favor, pode dividir com Maestrini os elogios à montagem. Figurinos bem concebidos por Francesca Chinelli. 

Maestrini, contudo, criou nesta montagem um novo destino para o Rigoletto. No final, depois da constatação terrível da confirmação da maldição de Monterone, o bufão enrola uma corda ao pescoço e comete suicídio, afogando-se no rio onde planejara lançar o corpo do Duque. A cena, uma projeção de vídeo, repete a abertura da ópera, com o corpo do bufão afogado boiando no rio. Uma imagem de efeito que agradou ao público, mais acostumado com a TV e o cinema do que com o teatro. Não chega a ser uma invenção arbitrária de Maestrini, mas a solução é duvidosa. Terá sido antes uma concessão fácil aos apelos de efeito da projeção, com toda a boca do palco transformada em tela de cinema. Uma coisa é combinar no palco os vários recursos disponibilizados pela tecnologia, outra bem diferente é a substituição pura e simples da linguagem teatral pela cinematográfica, com projeção de vídeo, transformando o palco num grande telão. Pobre bufão, agora também suicida.

Não foi um espetáculo musicalmente empolgante, mas que agradou e merece a atenção do público, que ontem não chegou a lotar o Theatro Municipal.