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terça-feira, 4 de outubro de 2016

“Lo Schiavo” no Teatro Municipal do Rio de Janeiro



 
Cena do segundo ato, da produção de 1999. Sylvia Klein (Condessa de Boissy)

 por Marcos Menescal 

A ópera “Lo Schiavo” de Carlos Gomes teve uma carreira peculiar. Se o célebre “Il Guarany”, a arrojada e consistente “Fosca”, a desafortunada “Maria Tudor” e o exótico “Condor”, tiveram as suas estreias no Scala de Milão; se o “Salvator Rosa”, depois da sua estreia no Carlo Felice de Gênova, ganhou todos os teatros da Itália, tornando-se uma das óperas mais populares daquele período; “Lo Schiavo”, considerado por muitos a mais bela das óperas de Carlos Gomes, por diversas razões, estreou no Teatro Imperial D. Pedro II do Rio de Janeiro (com o advento da República, rebatizado de Lírico), em 1889, e, ao que eu saiba, nunca foi cantado na Itália. Sua primeira montagem europeia, de escassa repercussão, deu-se em Berna, Suíça, mais de 80 anos após a estreia carioca. Talvez essas circunstâncias expliquem o fato dessa belíssima ópera não ser conhecida mundialmente.

“Lo Schiavo” foi sempre uma das favoritas do público brasileiro. No Municipal do Rio, foi a segunda ópera brasileira mais montada, depois do famoso “Il Guarany”.
Entre 1917 e 1972, foi levada em 21 temporadas, e cantada e regida por alguns nomes que hoje fazem parte da história da ópera no século XX.

Assim, já em 1917, a célebre Ninon Vallin interpretava a Condessa de Boissy. Nesse mesmo personagem, que se limita ao segundo ato da ópera, tivemos, em 1921, nada menos do que Toti dal Monte. Intérpretes célebres de Iberê foram Giacomo Rimini, Armando Borgioli e Enzo Mascherini. Ilara foi interpretada por Rosa Raisa, Gina Cigna, Margherita Grandi, Norina Greco e Elisabetta Barbato. Como Americo, tivemos Frederick Jagel, Angelo Mingheti e o grande Galliano Masini. Entre os regentes da ópera, destaca-se Gino Marinuzzi.

Destacaram-se também os cantores brasileiros Sylvio Vieira, Lourival Braga e Fernando Teixeira (Iberê); Adjaldina Fonetenelle, Ida Miccolis e Graciema Félix de Souza (Ilara); Roberto Miranda, Assis Pacheco e Alfredo Colosimo (Americo); Alma Cunha de Miranda, Diva Pieranti e Antea Claudia (Condessa). Os três regentes brasileiros dessa ópera no TMRJ foram Eleazar de Carvalho, Santiago Guerra e Edoardo De Guarnieri.

Em 1976, o Municipal, fechado para reforma, apresentou a ópera em forma de concerto no Teatro João Caetano, sob a regência de Eleazar de Carvalho.

Dessa data até 1999, “Lo Schiavo” esteve ausente do nosso teatro, retornando numa produção de Fernando Bicudo, que rodou por várias capitais brasileiras, com os corpos artísticos de Belo Horizonte.

A próxima montagem, a estrear no dia 21 de outubro, com direção de Pier Francesco Maestrini, regência de Roberto Duarte, e com Rodolfo Giuliani, Adriane Queirós, Fernando Portari, Claudia Azevedo, Saulo Javan, Leonardo Páscoa e Pedro Olivero no elenco, será a primeira a ser levada no TMRJ neste século.

Como se pode observar, as montagens de “Lo Schiavo” têm sido cada vez mais raras, o que é uma pena porque trata-se de uma verdadeira obra prima.

Abaixo, a lista completa das apresentações de “Lo Schiavo” no Teatro Municipal do Rio, com os seus regentes e com os intérpretes dos seus principais personagens.

1917
Iberê: De Francheschi
Ilara: Teresina Burchi
Americo: Carlo Hackett
La Contessa di Boissy: Ninon Vallin
Regente: Franco Paolantonio

1921
Iberê: Giacomo Rimini
Ilara: Rosa Raisa
Americo: Angelo Minghetti
La Contessa di Boissy: Toti Dal Monte
Regente: Gino Marinuzzi


Rosa Raisa, Gina Cigna (em ‘Isabeau’), Elisabetta Barbato (em ‘Lo Schiavo’) e Ida Miccolis (em ‘Jupyra’)


1936
Iberê: Armando Borgioli
Ilara: Gina Cigna
Americo: Aureliano Marcato
La Contessa di Boissy: Maria Sá Earp
Regente: Angelo Questa

1937
Iberê: Armando Borgioli
Ilara: Margherita Grandi
Americo: Galliano Masini
La Contessa di Boissy: Thea Vitulli
Regente: Angelo Questa
  
Armando Borgioli (em ‘Un Ballo in Maschera), Sylvio Vieira, Enzo Mascherini e Fernando Teixeira (em ‘Rigoletto’)

1938
Iberê: Sylvio Vieira
Ilara: Adjaldina Fontenelle/Nanita Lutz
Americo: Antonio Salvarezza
La Contessa di Boissy: Alma Cunha de Miranda/Thea Vitulli/Germana de Lucena
Regente: Edoardo De Guarnieri

1939
Iberê: Sylvio Vieira
Ilara: Adjaldina Fontenelle
Americo: Tomaz Filipetti
La Contessa di Boissy: Alma Cunha de Miranda
Regente: Edoardo De Guarnieri

1940
Iberê: Sylvio Vieira/Paolo Ansaldi
Ilara: Adjaldina Fontenelle/Carmen Gomes
Americo: Galliano Masini/Roberto Miranda
La Contessa di Boissy: Tita Ferreira/Haydée Brasil
Regente: Edoardo De Guarnieri/Santiago Guerra

1942
Iberê: Sylvio Vieira
Ilara: Olga Nobre
Americo: Tomaz Filipetti
La Contessa di Boissy: Rachel Souza Pinto
Regente: Eleazar de Carvalho

1943
Iberê: Sylvio Vieira
Ilara: Norina Greco/Maria Helena Martins
Americo: Frederick Jagel/Roberto Miranda
La Contessa di Boissy: Maria Sá Earp/Maria Augusta Costa
Regente: Eleazar de Carvalho

1945
Iberê: Sylvio Vieira
Ilara: Maria Helena Martins
Americo: Frederick Jagel/Roberto Miranda
La Contessa di Boissy: Maria Augusta Costa
Regente: Eleazar de Carvalho


Galliano Masini (em ‘Carmen’), Frederick Jagel (em ‘Simon Boccanegra’), Assis Pacheco (em ‘Otello’) e Alfredo Colosimo (em ‘Madama Butterfly’)


1949
Iberê: Paolo Ansaldi
Ilara: Mary Gazzi
Americo: Roberto Miranda
La Contessa di Boissy: Alaide Briani
Regente: Santiago Guerra

1951
Iberê: Enzo Mascherini
Ilara: Elisabetta Barbato
Americo: Assis Pacheco
La Contessa di Boissy: Diva Pieranti
Regente: Eleazar de Carvalho

1954
Iberê: Lourival Braga
Ilara: Wanda Sposito
Americo: Alfredo Colosimo
La Contessa di Boissy: Diva Pieranti/Helena Pimentel/Antea Claudia
Regente: Santiago Guerra

1957
Iberê: Lourival Braga
Ilara: Ida Miccolis
Americo: Alfredo Colosimo
La Contessa di Boissy: Antea Claudia
Regente: Santiago Guerra

1959
Iberê: Lourival Braga
Ilara: Ida Miccolis
Americo: Alfredo Colosimo
La Contessa di Boissy: Antea Claudia
Regente: Santiago Guerra

1961
Iberê: Paulo Fortes
Ilara: Maria Sá Earp
Americo: Alfredo Colosimo
La Contessa di Boissy: Diva Pieranti/Lysia Demoro
Regente: Santiago Guerra

1963
Iberê: Lourival Braga
Ilara: Angelina Cosmo
Americo: Assis Pacheco
La Contessa di Boissy: Diva Pieranti
Regente: Edoardo De Guarnieri


Ninon Vallin, Toti dal Monte (em ‘Madama Butterfly’), Diva Pieranti (em ‘Il Guarany’) e Antea Claudia (em ‘La Traviata’)

1967
Iberê: Lourival Braga
Ilara: Graciema Félix de Souza
Americo: Constante Moret
La Contessa di Boissy: Antea Claudia/Célia Coutinho
Regente: Santiago Guerra

1969
Iberê: Lourival Braga
Ilara: Graciema Félix de Souza
Americo: Constante Moret
La Contessa di Boissy: Antea Claudia
Regente: Santiago Guerra

1971
Iberê: Fernando Teixeira
Ilara: Wanda Sposito
Americo: Constante Moret
La Contessa di Boissy: Antea Claudia
Regente: Eleazar de Carvalho

1972
Iberê: Fernando Teixeira
Ilara: Graciema Félix de Souza
Americo: Constante Moret/Zaccaria Marques
La Contessa di Boissy: Dea Escobar
Regente: Santiago Guerra

1976 (no Teatro João Caetano, em forma de concerto)
Iberê: Fernando Teixeira
Ilara: Graciema Félix de Souza
Americo: Assis Pacheco
La Contessa di Boissy: Niza de Castro Tank
Regente: Eleazar de Carvalho

1999 (Produção Ópera Brasil, com os corpos artísticos de Belo Horizonte)
Iberê: Louis Ottey/Sebastião Teixeira
Ilara: Nina Edwards/Aída Baptista
Americo: Stephen Mark Brown/Peter Riberi
La Contessa di Boissy: Maude Salazar/Rose Marie Todaro/Sylvia Klein
Conte Rodrigo: Mario Bertolino/Eliomar Nascimento
Goitacà: Luiz-Ottavio Faria/Maurício Luz
Gianfera: Francisco Neves/Leonardo Páscoa/Manoel Alvarez
Regente: Eugene Kohn

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Um "Andrea Chénier" que honra a produção nacional de ópera.

por Henrique Marques Porto

Que o "Andrea Chénier", de Umberto Giordano, é um título dos mais apreciados pelos amantes da ópera é fato conhecido que dispensa comentários. Igualmente é dispensável lembrar que o Brasil, e o Rio de janeiro em particular, registra em sua história montagens memoráveis desse ótimo exemplar do verismo. Os mais antigos indicam duas montagens da ópera, nos anos 1930, como as mais notáveis: com Claudia Muzio, Beniaminio Gigli e Carlo Galeffi; e outra com a mesma Claudia Muzio dividindo o palco com Giacomo Lauri-Volpi e o barítono Benvenuto Franci. 

Um outro registro que merece destaque data de 1989, realizado na forma de concerto, no Theatro Municipal de São Paulo. Também houve récitas no Rio de Janeiro. A produção foi do "Ópera Brasil", projeto organizado na década de 80 por Fernando Bicudo.

No vídeo abaixo é possível apreciar os ótimos desempenhos de Aprille Milo, em grande forma como "Madalena"; a vigorosa atuação do tenor Corneliu Murgu no papel título; e no papel de "Gerad" o nosso saudoso Fernando Teixeira, um barítono de voz absolutamente superior, sem favor algum um dos melhores do mundo em seu tempo e uma voz cujo timbre é raríssimo nos dias atuais, como se pode confirmar pelo vídeo.

Andrea Chénier - Umberto Giordano (completo)
Aprille Milo, Fernando Teixeira e Corneliu Murgu
Orquestra Sinfônica Brasileira regida por Eugene Kohn

segunda-feira, 9 de abril de 2012



 Rigoletto

No próximo dia 17 a Royal Opera House abrirá o pano para mais um Rigoletto. Na pele do trágico corcunda estará o barítono grego Dimitri Platanias. Com ele, no elenco, o tenor Vittorio Grigolo e a soprano Ekaterina Siurina. O espetáculo terá transmissão ao vivo para vários países. A propósito, vale a pena revisitar essa ópera, conhecer ou relembrar o contexto histórico em que foi composta e as circustâncias e os fatos que inspiraram Giuseppe Verdi.  

A HISTÓRIA


por Oscar Peixoto

La donna è móbile qual piuma al vento, muta d’accento e di pensiero... Os versos, cantados alegremente por um popular, assombraram o maestro: afinal, pertenciam a uma ária de sua última ópera que – puxa! – ainda não havia estreado! Era o início da noite de 11 de março de 1851, e o maestro Giuseppe Verdi, dirigia-se para o teatro La Fenice, de Veneza, onde se daria a primeira apresentação de Rigoletto, ópera que acabara de escrever. Entretanto, o povo da cidade já cantava aquele trecho, em virtude, talvez, da boa memória de algum operário que, enquanto montava os cenários, ouvira os ensaios dos cantores. Assim, apesar da irritação de Verdi, a nova ópera já mostrava ter uma ária de agrado popular. Destinada a se perpetuar até os dias de hoje.


Giuseppe Verdi estava trabalhando na música de La Maledizione (o primeiro nome projetado para Rigoletto) quando a Direção Central da Ordem Pública exigiu que lhe fosse mandado o libreto da ópera: as autoridades haviam sido informadas de que La Maledizione se baseava no drama Le Roi S’amuse, de Victor Hugo, peça “já deplorada na França e Alemanha pela libertinagem de que está cheia”.

E, como se isso não bastasse, era publicada uma nota de censura das autoridades: “O governador militar Von Gorzkowsky lastima que poeta e músico não tivessem sabido escolher outro campo para fazer emergir seus talentos, ao invés de entrarem no caminho de uma repugnante imoralidade”.


De fato, quando Victor Hugo decidiu apresentar a peça Le Roi s’amuse (O Rei se diverte) na capital francesa, também esbarrou na censura de seu país. O enredo fazia alusão direta ao Rei Francisco I, um libertino amante dos prazeres, e explorava o drama de seu bufão, Triboulet, anão corcunda, totalmente dominado pelo complexo de sua deformação. Triboulet odeia o rei porque é rei, os nobres porque são nobres, e os homens em geral porque não têm, como ele, uma corcova às costas. Seu principal divertimento é fazer com que o rei e os cortesãos briguem continuamente entre si, os mais fortes esmagando os mais fracos. Ao mesmo tempo, cultiva a libertinagem do rei, introduzindo-o nas famílias dos cortesãos, apontando-lhe uma esposa para seduzir, uma irmã para raptar, uma filha para desonrar. Jamais a censura francesa poderia permitir a apresentação desse monarca de forma tão pouco digna, principalmente em 1832, com o jacobinismo inicial da Revolução já totalmente neutralizado.



Assim, antes mesmo de terminar o trabalho, Verdi tinha sua nova ópera proibida tanto pela censura eclesiástica, como pela censura austríaca (a Áustria dominava, então, o norte da Itália).
Verdi queixou-se ao libretista, Francesco Maria Piave, porque este garantira que não haveria problema com a censura, já que tinha muitos amigos entre as autoridades. A única saída encontrada pelo poeta foi preparar outro libreto, com novo título – Duque de Vendôme - , e apelar para seus amigos do governo. Mas, novamente, não conseguiu a aprovação da censura; esta queria a supressão de “passagens escabrosas”, como a grotesca figura do bobo da corte, corcunda e feio, e a cena do saco em que é colocado o cadáver da filha de Rigoletto. E mais: os acontecimentos não poderiam se desenrolar na França.

A Direção Central da Ordem Pública mostrava-se preocupada com os aspectos morais da ópera, que apresentava uma nobreza libertina e ociosa e um bobo da corte escolhido por sua deformidade. Ao lado disso tudo, o argumento se desenrolava em ambiente extremamente dramático, cuja aspereza chocaria a sensibilidade dos espectadores. Por trás dessas justificativas, entretanto, havia implicações políticas: a rigorosa censura a tudo o que pudesse se relacionar com a decadência da aristocracia austríaca e reforçar o movimento da unificação e independência italianas.

Giuseppe Verdi provava mais uma vez, em sua carreira, que fazer ópera não era só suportar os caprichos de cantores e instrumentistas, ou entrentar um público hostil e empresários exigentes. O primeiro obstáculo era a censura. E as lições ele fora recebendo desde a apresentação de I Lombardi alla Prima Crociata (1843), quando falou na “pátria, tão bela e perdida” e foi convidado a “visitar” a polícia. Em Ernani (1844), inspirada em texto de Victor Hugo, teve de mudar o título várias vezes (A Honra Castelhana, O Bandido, Ruy Gómez da Silva) e a ópera só foi representada graças às amizades do libretista Piave. Unicamente na Battaglia di Legnano é que Verdi teria um pouco mais de liberdade, porque, em 1849, às vésperas da proclamação da República romana, o ambiente já era mais favorável.

 Assim, demorou algum tempo para que o compositor, o empresário Carlo Marzari e o poeta Piave entrassem em acordo com as autoridades. A ópera teria o título de Rigoletto (que deriva da palavra francesa rigolade - brincadeira, gracejo, chalaça), a ação se desenvolveria em Mântua no século XVI, o duque libertino seria chamado genericamente de Duque de Mântua – para não se confundir com Francesco Gonzaga, que reinara na região – e os nomes dos cortesãos deveriam ser outros. Verdi só não aceitou mudar o aspecto físico do bufão: Rigoletto acabou ficando como se havia planejado.

“E por que não?”, perguntava o compositor. “Acho belíssimo apresentar esta personagem, externamente disforme e ridícula e, internamente, apaixonada e cheia de amor. Escolhi-o exatamente por todas estas qualidades e esses traços originais. Se forem tirados, não poderei mais compor a música.”

Depois da estréia, como já estava ocorrendo com as demais óperas de Verdi, também Rigoletto ganhou rapidamente os principais palcos do mundo musical. Menos os franceses, porém. É que Victor Hugo, ao tomar conhecimento da adaptação musical de sua peça, resolveu pedir, judicialmente, uma indenização pelo uso do enredo sem a devida autorização. A questão durou seis anos; finalmente, o empresário de Verdi ganhou a causa, e em seguida montou a ópera em Paris. E Hugo, apesar de nunca ter-se realmente reconciliado com Verdi, assistiu à apresentação e gostou. Chegou mesmo a exclamar com entusiasmo, na cena em que o Duque de Mântua corteja Madalena sob as vistas de Gilda e Rigoletto: “Se eu pudesse fazer com que várias personagens falassem simultaneamente, de tal forma que o público percebesse as palavras e os sentimentos, também obteria efeito igual a este!”

A crítica da época foi bastante favorável a Verdi, apesar das inúmeras publicações que repudiavam as “imoralidades” e as “grosserias” do tema. Desde logo, os críticos perceberam a preocupação do compositor não só em cuidar do tema, texto e música, como em fazer com que todos os elementos da ópera se fundissem num só corpo, sem dar maior destaque à forma ou ao conteúdo.
Verdi exigia costumeiramente frases curtas, concisas e essenciais, mas ao mesmo tempo ricas de pensamento e de imagens. Em Ernani, por exemplo, coloca em primeiro plano, sob luz ofuscante, poucas figuras predominantes, capazes de exprimirem-se de maneira direta e sintética. Mais tarde, em I Due Foscari (1844), evidencia as personagens e, ao mesmo tempo, despedaça a rígida separação de ária e recitativo, procurando um discurso melódico contínuo para dar ritmo e medida à cena. No Rigoletto, o compositor atinge o ponto mais alto da expressão dramática, rompendo de forma radical com o lirismo romântico e aderindo totalmente ao melodrama.

O Romantismo, até então, apresentava as coisas de forma extremada e intransigente: ou tudo bom, ou tudo mau, sem matizes ou gradações. Verdi rompe o esquema e, com Rigoletto, introduz um elemento novo: a personagem como algo complexo, bem próxima da vida real. Rigoletto, o bufão, é deformado e mau, mas também é pai afetuoso e digno de piedade; o duque é bonito por fora e corrupto por dentro; Gilda é bondosa e virginal, mas é capaz de contrariar as ordens do pai e se deixar seduzir pelo duque. O próprio Verdi afirma que “o duque tem um caráter nulo e deve ser um libertino; não é, porém, repelente”.

É que o compositor não dava muita atenção à intelectualidade da época, que queria ver na obra uma proximidade com o “belo”. E ouvia indiferente os comentários sobre as “inconveniências obscenas” de seu trabalho. Sua preocupação era bem diversa: acompanhava o desenvolvimento das novas formas de vida impulsionadas pela Revolução Francesa. Assim, abandona o velho público de sapatinhos e perucas e pensa nos novos espectadores: de classe, exigências e idéias diferentes. A elegância literária cede lugar à desordem dos sentimentos. Em Rigoletto, não há meios-termos: o espectador é levado, de repente, ao centro da ação. Se quer um dito refinado, a platéia vai ser satisfeita, mas vai ter de ouvir também as palavras venenosas do bufão.

Verdi já começava a ficar famoso, quando nova tragédia ocorreria, acrescentando novos elementos à sua obra. Em menos de dois meses morrem o filho, a filha e a esposa Margherita Barezzi (filha de um comerciante de Busseto, que o incentivou nos estudos de música). Um Giorno di Regno, que deveria ser uma ópera cômica, acabou por se tornar algo sem graça e até triste, pois foi feita quando perdeu a família (1840).

Assim, as lembranças da infância, a participação nos anseios de libertação do domínio estrangeiro e a profunda depressão pela tragédia familiar forneceram os elementos essenciais para que a peça de Victor Hugo ganhasse a simpatia do compositor italiano: permitia extravasar, ao mesmo tempo, o desejo de atingir a nobreza austríaca dominante e a necessidade de por em música sua dor.
Mas, em Verdi, alguns críticos vêem também um grotesco que teria origem em sua vida interiorana: “Sou e serei sempre um campônio de Roncole”, costumava dizer. E deu prova dessa afirmação quando, após o triunfal êxito de Otello, em 1887, decidiu retirar-se para sua propriedade de Santa Ágata (em companhia de Giuseppina Streponni, a segunda esposa), dizendo que aquele fora seu último trabalho. A única preocupação, agora, seria a atividade agrícola. Mas a promessa não durou muito: criaria ainda Falstaff, trabalho de natureza cômica, baseado na obra de Shakespeare, que havia sido condensada de forma muito hábil por Arrigo Boito (libretista e também consagrado compositor). Embora interessado pela qualidade do libreto, o compositor teria comentado com seus amigos: “Divirto-me em musicá-lo, sem planos de qualquer espécie e sem mesmo saber se o terminarei”.

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi não só terminou a ópera como também conseguiu atingir vivo o começo do século XX. Desde 1813, quando nasceu, até 1901, assistiu a todo um processo de transformação política da Europa e participou de forma ativa das modificações que levaram a música a acompanhar os novos tempos.

Fontes: Opera Guide (Gerhart Von Westerman); Enciclopedia del Arte Lirico: Sergio Sister; Kobbé's Complete Opera Book; dentre outras.
 (publicado originalmente em http://blogln.ning.com/profiles/blogs/rigoletto-1)

Fernando Teixeira, baritono brasileiro - Rigoletto