sábado, 26 de maio de 2012

Hedy Iracema-Brügelmann




De Porto Alegre para a Ópera de Viena 

(atualizado)

Hedy Iracema-Brügelmann
Foto gentilmente enviada por Regine Brügelmann, bisneta de Hedy.

 por 
Henrique Marques Porto 
e Helô Lima

"Quem procura, acha”, diz o adágio popular. Mas, nem sempre o que se acha é o que se está procurando. E não raro o achado inesperado tem relevância. Foi assim que o Ópera Sempre descobriu a até aqui desconhecida, ou esquecida, cantora brasileira Hedy Iracema-Brügelmann (1879-1941). Ela se soma a uma provavelmente extensa galeria de artistas que aos poucos vão sendo reapresentados ao público, como já se fez aqui mesmo com Malvina Pereira, nascida na cidade de Florianópolis-SC, e que desenvolveu consistente carreira na Itália e nos EUA. Aqui

Hedy Iracema-Brügelmann nasceu em Porto Alegre em 16 de agosto de 1879 (algumas fontes indicam 1881). Filha de Emesta e Friedrich Hänsel, imigrantes alemães, recebeu no batismo o nome Hedwig Hänsel. Ainda adolescente perdeu o pai (no Brasil, chamado Frederico), em 1894, vítima de crime político. Hänsel, que era militar, veio para a América do Sul para se incorparar aos batalhões de "Voluntários da Pátria" formados por colonos alemães que foram à guerra Brasil-Paraguai. Com o fim da guerra, decidiu se estabelecer no Rio Grande do Sul. Foi um importante líder da colônia alemã e teve ativa participação na "Revolução Federalista", sangrenta guerra local ocorrida entre 1893 a 1895. Teria sido preso por tropas federais e, quando estava sendo conduzido à prisão, foi assassinado com um tiro nas costas. Outras fontes dizem que ele foi alvejado  em 1889 no jardim de sua casa, na antiga Rua da Figueira, Cidade Baixa, atual Rua Coronel Genuíno.

Hedwig Hänsel casou ainda bem jovem com o comerciante e diretor de banco Theodor Brügelmann. O casal teve um filho, Hermann Brügelmann, nascido também em Porto Alegre, em 1899. Hermann, falecido em 1972, fez destacada carreira política na Alemanha do pós-segunda guerra.

Amalia Iracema Ferrari, irmã de Hedy
Hedy Iracema estudou canto no Conservatório de Colonia, e por sugestão do compositor e maestro Max von Schillings dedicou-se à carreira na ópera, depois de atuar como concertista. Na família havia o precedente de sua irmã mais velha, Amalia Hänsel, também cantora lírica. Estudou canto em Frankfurt e fez curta carreira no Brasil e na europa. Há registros de apresentações suas no Rio de Janeiro. Seu nome artístico era Amalia Iracema Ferrari. O "Iracema" teria sido sugerido por um amigo, Ramiro Barcelos. Casou com o fotógrafo Jacintho Ferrari, do "Atelier Ferrari", cujo trabalho é considerado bastante significativo para a memória iconográfica de Porto Alegre. De tanto fazer cópias de fotos de Amalia, quando esta voltava de suas viagens à europa, Jacintho acabou se apaixonando. Amalia Iracema encerrou a carreira em Porto Alegre, onde se dedicou ao ensino de canto. Faleceu em 1936. No bairro Rubem Berta há uma rua com seu nome.


A adição do nome Iracema para compôr o nome artístico de Hedy teria sido, segundo algumas fontes, por ser este um anagrama da palavra “america”. Mas tendo nascido no Brasil, é possível que seja uma referência ao conhecido romance "Iracema", de José de Alencar, e ao país onde nasceu. Aparentemente, Hedy Iracema-Brügelmann, assim como fez sua irmã, queria indicar no nome artístico o seu país de origem, ainda que ele pudesse soar estranho na europa das primeiras décadas do século passado. O mesmo se pode dizer da alteração do original Hedwig para “Hedy”, este também um nome bastante comum no Brasil. 

Depois de estudar na Alemanha, Hedy voltou ao Brasil por volta de 1904 e aqui permaneceu por alguns meses. Com certeza se apresentou em recitais e reuniões musicais no Rio de Janeiro e em outras cidades. Em 1904, o compositor brasileiro Alberto Nepomuceno já reconhecia o seu talento, dedicando a ela a canção "Ao Amanhecer" (Op. 5 n.1): "À exímia cantora, D. Hedy Iracema. Petrópolis" –escreveu Nepomuceno no alto da partitura. Voltou ao Rio em outras oportunidades, como em 1907, quando se apresentou em recitais juntamente com a irmã, Amalia, acompanhadas ao piano por Alberto Nepomuceno e Barroso Neto, em programas que incluíam canções e árias de diversas óperas.

A estréia em ópera se deu em Stuttgart, em 1910, como Elisabeth, no Tannhäuser, de Wagner. Em 1913, apresentou-se no Royal Opera House, como a Marshallin, no Der Rosenkavalier, de Richard Strauss, papel que também cantou na Ópera de Zurique em 1917. Em 26 de setembro de 1915 cantou o papel título na estréia mundial da ópera Mona Lisa, de Max von Schillings, que também protagnizou em Amsterdan, em 1916.

Sieglinde, em Die Walküre
 Entre 1917 e 1920 foi contratada da Wiener Staatsoper, onde já havia cantado em 1916. Até 1920 cantou, na Staatsoper, entre outras, as seguintes óperas: Aida, O Baile de Máscaras, Carmem, Lohengrin, Parsifal, Der fliegende Holländer, Gli Ugonotti, Martha, Ariadne auf Naxos, Der Rosenkavalier e Elektra.  Atuou também na Ópera de Berlin e em concertos com a Filarmônica de Berlin. De 1920 a 1926 trabalhou no Badisches Staatstheater, em Karlsruhe. Em 1926 sofreu grave acidente, ao cair de uma escada numa apresentação, quebrando uma perna e parte do quadril. Ficou hospitalizada por quase um ano. Tentou voltar aos palcos, mas sentia muitas dores e tinha dificuldades de locomoção. Encerrou a carreira como cantora em 1927, passando a dedicar-se ao ensino de canto em Karlsruhe, onde faleceu em 1941.


Embora o nome de Hedy Iracema não apareça nas pesquisas feitas em sites, blogs e listas dedicados a antigos e esquecidos cantores líricos, é certo que foi uma artista importante e respeitada em seu tempo. Apesar de ter tido uma carreira relativamente curta e de ser praticamente desconhecida no Brasil, seu nome é mencionado em diversas fontes importantes, sendo objeto inclusive de verbete na Enciclopédia Britânica. Atuando na Europa na época da Primeira Guerra Mundial, deve ter tido algum tipo de participação em ações humanitárias. Em 1916 foi condecorada com a Charlottenkreuz (Cruz de Charlotte), instituída naquele mesmo ano por Wilhelm II, último rei de Württemberg (abdicou em 1918), “concedido a todas as pessoas com méritos especiais no cuidado dos feridos e enfermos ou em matéria de interesse geral da guerra” (Wikipedia). De Wilhelm II se diz que era homem de hábitos simples e burgueses, fora dos padrões da realeza europeia. Criou a condecoração e deu-lhe o nome de sua segunda esposa, Charlotte Schaumburg-Lippe.

Elenco da Temporada Lírica do Rio de Janeiro em 1920

Hedy Iracema-Brügelmann esteve no Brasil para as temporadas líricas internacionais de 1914 e 1920 do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Em 1914 cantou Aida e Tosca (esta com Tito Schipa e Mario Sammarco). Em 1920 foi incluída no elenco de cantores nacionais, embora tenha estudado e desenvolvido a carreira na Alemanha. De fato, apresentou-se em repertório brasileiro. No dia 27 de setembro de 1920, em récita de gala, com as presenças do Presidente da República e do Rei da Bélgica, cantou o Salvador Rosa, de Carlos Gomes, com o tenor Francesco Merli e o barítono Carlo Galeffi, sob a regência de Tulio Serafin.

Em 1913, protagonizou a Tosca, em Stuttgart, ao lado de Enrico Caruso, que a ela dedicou uma foto, onde se lê: "Alla signora Hedy Iracema-Brügelmann, souvenir sincere. Enrico Caruso, Stuttgart 1913."   

Soprano lírico-dramático, além de Carlos Gomes, Wagner e Strauss, seu repertório incluía, entre outros, Meyerbeer (Les Huguenottes), Verdi (Aída, Trovador, Otello, Baile de Máscaras) e Puccini (Tosca), papéis que cantava geralmente em alemão. Deixou registros fonográficos com árias desse repertório (sempre em alemão), segundo informam diversas bases de dados. No entanto, essas gravações aparentemente não estão disponíveis comercialmente, e se estão não são divulgadas pelas gravadoras.

Voz lírica, porém robusta, de temperamento dramático. O timbre é claro e bonito, com emissão limpa e segura, que confirmam os fundamentos da escola clássica de canto alemã. Quando ouvimos gravações muito antigas é sempre bom levar em conta que os registros mecânicos das duas primeiras décadas do século passado penalizaram especialmente as vozes femininas, além do acompanhamento orquestral, mais distante da área de captação do som. Feita essa advertência, podemos nos aproximar um pouco mais da arte de Hedy Iracema-Brügelmann.      

Fontes:
1) “Memórias e Glórias de um Teatro”; Edgard de Brito Chaves Jr.
2) Museu de Leipzig.
3) Europeana (www.dismarc.org).
4) Wikipedia.
5) Arquivo pessoal do autor.
6) Arquivos da Família Brügelmann. 


Hedy Iracema-Brügelmann - Lohengrin 
Einsam in trüben Tagen (Elsa's dream)
 

5 comentários:

  1. Sensacional, Henrique! Gol de placa!
    O início do seu texto me fez lembrar de uma frase do poeta juizforano Murilo Mendes: "Sem esperança não surge o inesperado". E o final foi desafiante, então saí por aí a garimpar gravações da Hedy Iracema-Brügelmann. Imagina se não sairia... ainda mais de uma cantora nascida no dia 16 de agosto ;)
    Parabéns pela descoberta!
    Beijos.
    Helô

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  2. Excelente achado, parabéns!!!

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    1. Obrigado, Fernando. É curioso que o sul do Brasil, não sendo centro importante na produção e apresntação de óperas, tenha revelado três ótimas cantoras que fizeram carreiras no exterior bem antes do sucesso internacional de Bidu Sayão. Pelotas nos deu Zola Amaro, que é bem conhecida; Porto Alegre a Hedy Iracema; e Florianópolis a Malvina Pereira.
      abraço
      Henrique

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  3. O nome dela já desperta curiosidade. Fica claro que a origem alemã predominou e acabou levando-a a fazer carreira no exterior. Mas botou o Brasil no nome, quer mais?
    Parabéns, Henrique.

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  4. Hello,

    Hedy Iracema Brügelmann is the grandmother of my father and at the moment I am busy to find everything about her life. I was very astonished that you found so many details about her life (the most ones I already knew but anyway). I also found via the project Europeana 4 digitized aria's which were sung by Hedy Iracema, the "Einsam in trüben Tagen" was one of them. I could also send some more information and photographs if you are interested. I am German, but living in the Netherlands.
    Kind regards, Regine Brügelmann

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