"Der Rosenkavalier", O Cavaleiro da Rosa:
uma ópera vienense.
Wiener Staatsoper em 15 de abril de 2012
por Ildefonso Côrtes
A obra que Richard Strauss (1864-1949)
designou “comédia para música” passa-se numa região ensolarada do século XVIII,
antídoto para as tragédias Salomé e Elektra, suas últimas produções.
Libreto do poeta e amigo,
Hugo Von Hofmannstahl, colaborador frequente que lhe escreveu dizendo: “a obra, numa certa medida corresponderá à
sua individualidade artística, na combinação que apresenta de grotesco e
lírico”. Strauss entusiasmou-se pelo enredo, passado na velha Viena sob a
imperatriz Marie Therèse.
Elīna Garanča |
O tema lembra as tramas arquitetadas por Lorenzo da Ponte, musicadas por Mozart. Situações burlescas como numa pantomima. Alguns elementos do texto: amores proibidos, ânsia de nobreza, travestis, casamento por imposição paterna, ciúmes, paixão, poesia, desprendimento, reunião amorosa e muito ridículo.
Strauss e Hofmannstahl
estavam determinados em escrever a grande comédia operística alemã para o
século XX, como os “Mestres Cantores”
de Wagner o foi para o século XIX e “Bodas de Fígaro” para o século XVIII de
Mozart.
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“Der Rosenkavalier”
recriaria o mundo e a Viena da Imperatriz Marie Therèse de 1740. A presença
Côrte, mas também o elemento folclórico, o “elemento popular” da vida, vide os
personagens secundários do primeiro ato junto ao quarto de Marechala: as viúvas e as filhas, o Tenor, o tocador de flauta, o
cabelereiro, os mâitres de hotel.
Como na Nuremberg wagneriana
de 1500, na Viena de Marie Therèse há um universo citadino real, veraz, com
relações múltiplas e vivas. Divergências audíveis, no estilo, são percebidas
por todos. O Rosenkavalier de 1740, alude ao estilo clássico de 1780,
sonoridades pós-românticas de 1870, os cromatismos de 1910 (ano de conclusão da
ópera).
Apesar do grotesco e até do
ridículo do enredo, a Marechala
(título que vem do fato de ser esposa de um príncipe Marechal de campo Von
Werdenberg, que não aparece jamais em cena e está sempre fora de Viena) acaba
por emprestar à obra o tom mais profundo e mesmo filosófico, mostrando o lado
fugaz da vida, a fragilidade das relações e a nobreza do desprendimento, a
sabedoria, a bondade, a grandeza de espírito. A trama é complexa, cheia de
personagens e pequenos incidentes. Só a visão do espetáculo permite a devida
apreciação, jamais uma descrição escrita. Faço uma brevíssima descrição da
trama antes das considerações sobre o espetáculo.
Nos aposentos de Marie Thèrese, ela e o jovem amante Conde Octavian protagonizaram uma ardente
noite de amor. Anuncia-se a chegada do Barão
de Ochs, primo distante de Marie Thèrese, grotesco e libertino. O marido da
Marechala está ausente. Marie Thèrese informa ao Barão que o
jovem travestido que sai de um esconderijo é sua ama Mariandel. O devasso Barão, de imediato, interessa-se por ela e
marca logo um encontro. O Barão, movido por dificuldades financeiras, dirige-se
à casa de Faninal, rico pai de Sophie, a qual pretende desposar para
superar sua situação de semi-bancarrota. Lá, Sophie irá receber a rosa de prata
das mãos de Octavian, por intervenção da Marechala,
como símbolo do noivado que irá celebrar com Ochs, de acordo com ritual da época que exigia a presença de um
jovem nobre para entregar a rosa de prata.
Sophie,
feliz com a perspectiva do noivado -o pai sonha com sua aproximação com a
nobreza- e Ochs vê nas bodas sua salvação financeira. Octavian, ao entregar a Rosa de Prata para Sophie, à sós, conversam
e se apaixonam à primeira vista.
O inconveniente Ochs, ao tratar Sophie de maneira grosseira, desperta o ódio de Octavian que provoca um duelo entre
eles, ferindo levemente o Barão. Para provar ao pai de Sophie que Ochs é mau
caráter, Octavian prepara uma cilada,
travestindo-se de Mariandel e marca
encontro com Ochs, convidando Faninal e a polícia para dar o flagrante
no local.
Elīna Garanča e Kurt Rydl, o Barão Ochs. |
Octavian, já
em trajes masculinos, chega-se a Sophie e declara seu amor, plenamente
correspondido.
A Marechala, que amava Octavian, em gesto de desprendimento,
sabedoria e amor aos dois, renuncia a Octavian
em favor de Sophie e, com dignidade,
retira-se da cena.
No dia 15 de abril de 2012,
o Wiener Staatsoper, templo da música de ópera, feericamente iluminado, lotação
esgotada, era um palácio em festa. Derradeiros ingressos, avidamente disputados
a preços exorbitantes, às portas do teatro.
Frisson no ar era sentido.
Certamente pela ansiedade geral em ouvir a bela voz de mezzo soprano, natural
da Letônia, Elina Garanca (pronuncia-se Garancha e tem acento circunflexo
invertido na letra c). Guindada hoje à condição de diva, “pop star” recebe
milionários cachês por suas aparições nos palcos do mundo. Além da voz
privilegiada, cerca-a a aura de mulher belíssima, loura, alta, elegante, olhos
lindos, porte altivo, jovem, tez luminosa.
Sem comparações com divas do
passado, rotundas, pesadas, quase sempre estáticas no palco, enormes caixas
torácicas para as belas vozes que possuíam.
Garanca será um Octavian iniciado nas artes do amor pela
beleza outonal da Marechala que amando-o,
teme a ação corrosiva do tempo, preocupa-se com a beleza que fenece e com o
jovem amado, ingênuo, que poderá ser seduzido por uma mulher mais jovem, mais
bela. Estes são os presságios da Marechala.
Garanca, na pele de Octavian, em cena, faz jus a toda a sua
fama. Voz madura, grave nos registros mais baixos, tem agudos igualmente belos,
límpidos e poderosos. Perfeita no domínio da cena, esfuziante em sua beleza e
voz portentosa. Enfeitiçou a plateia que a aclamou em boca de cena, calorosa,
entusiástica por mais de dez minutos. Verdadeira consagração que enchem as
medidas das gentes de todo o mundo que foram vê-la. Perfeita ao longo de toda a
ação, sublime no trio final com a Marechala
e Sophie.
Neste final, Strauss atinge
um de mais altos instantes de inspiração musical. A Marechala de Nina Stemme foi uma parceira à altura. Bela presença,
bela voz, agudos perfeitíssimos, soprano excepcional.
Kurt Rydl, o
Barão Von Ochs, tem um timbre grave, sonoro e adequado para o histrionismo do
papel. Além disto, ótimo ator que conduziu com maestria a parte cômica
importantíssima em seu papel.
Nina Stemme, a Marechala da montagem vienense. |
Grande elenco, orquestra
impecável, encenação adequada. A soprano Chen Reiss, Sophie, suave, delicada, tessitura agradável, perfeita no trio
final e nos duetos com Octavian. A
atmosfera vienense da ópera foi preservada com cenários e costumes impecáveis
que transmitiram o que era requerido para a ação.
Um Strauss versátil, saído
dos dramas trágicos das óperas com temas bíblicos e as oriundas do pesado
teatro grego, para esta alegre comédia vienense, grotesca, sublime ao final,
com ensaios de valsas, no melhor estilo de Viena. Espetáculo que encontrou a
Babel de estrangeiros que acorreu ao teatro e deliciou os vienenses com uma
ópera que tem o perfil da cidade majestosa, que mantém aliadas a jovialidade do
povo e os resquícios gloriosos do poderoso Império Austro-Húngaro.
Um fato curioso: à entrada
do teatro, nas portas, posters lindíssimos de Garanca, com o traje claro de
Octavian. O personagem principal, a Marechala,
detentora de voz excelente, não teve o destaque visual de Elina Garanca.
Não há explicação racional
para um público apaixonado por um mito.
Paixão é paixão. Só o
coração conhece suas razões que a própria razão desconhece.
Espetáculo grandioso que
marcou para sempre o público daquela noite!
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