terça-feira, 15 de maio de 2012


"Der Rosenkavalier", O Cavaleiro da Rosa: 
uma ópera vienense.


Wiener Staatsoper em 15 de abril de 2012

 por Ildefonso Côrtes

         A obra que Richard Strauss (1864-1949) designou “comédia para música” passa-se numa região ensolarada do século XVIII, antídoto para as tragédias Salomé e Elektra, suas últimas produções.
Libreto do poeta e amigo, Hugo Von Hofmannstahl, colaborador frequente que lhe escreveu dizendo: “a obra, numa certa medida corresponderá à sua individualidade artística, na combinação que apresenta de grotesco e lírico”. Strauss entusiasmou-se pelo enredo, passado na velha Viena sob a imperatriz Marie Therèse.

Elīna Garanča

O tema lembra as tramas arquitetadas por Lorenzo da Ponte, musicadas por Mozart. Situações burlescas como numa pantomima. Alguns elementos do texto: amores proibidos, ânsia de nobreza, travestis, casamento por imposição paterna, ciúmes, paixão, poesia, desprendimento, reunião amorosa e muito ridículo.
Strauss e Hofmannstahl estavam determinados em escrever a grande comédia operística alemã para o século XX, como os “Mestres Cantores” de Wagner o foi para o século XIX e “Bodas de Fígaro” para o século XVIII de Mozart.
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“Der Rosenkavalier” recriaria o mundo e a Viena da Imperatriz Marie Therèse de 1740. A presença Côrte, mas também o elemento folclórico, o “elemento popular” da vida, vide os personagens secundários do primeiro ato junto ao quarto de Marechala: as viúvas e as filhas, o Tenor, o tocador de flauta, o cabelereiro, os mâitres de hotel.
Como na Nuremberg wagneriana de 1500, na Viena de Marie Therèse há um universo citadino real, veraz, com relações múltiplas e vivas. Divergências audíveis, no estilo, são percebidas por todos. O Rosenkavalier de 1740, alude ao estilo clássico de 1780, sonoridades pós-românticas de 1870, os cromatismos de 1910 (ano de conclusão da ópera).
Apesar do grotesco e até do ridículo do enredo, a Marechala (título que vem do fato de ser esposa de um príncipe Marechal de campo Von Werdenberg, que não aparece jamais em cena e está sempre fora de Viena) acaba por emprestar à obra o tom mais profundo e mesmo filosófico, mostrando o lado fugaz da vida, a fragilidade das relações e a nobreza do desprendimento, a sabedoria, a bondade, a grandeza de espírito. A trama é complexa, cheia de personagens e pequenos incidentes. Só a visão do espetáculo permite a devida apreciação, jamais uma descrição escrita. Faço uma brevíssima descrição da trama antes das considerações sobre o espetáculo.
Nos aposentos de Marie Thèrese, ela e o jovem amante Conde Octavian protagonizaram uma ardente noite de amor. Anuncia-se a chegada do Barão de Ochs, primo distante de Marie Thèrese, grotesco e libertino. O marido da Marechala está ausente. Marie Thèrese informa ao Barão que o jovem travestido que sai de um esconderijo é sua ama Mariandel. O devasso Barão, de imediato, interessa-se por ela e marca logo um encontro. O Barão, movido por dificuldades financeiras, dirige-se à casa de Faninal, rico pai de Sophie, a qual pretende desposar para superar sua situação de semi-bancarrota. Lá, Sophie irá receber a rosa de prata das mãos de Octavian, por intervenção da Marechala, como símbolo do noivado que irá celebrar com Ochs, de acordo com ritual da época que exigia a presença de um jovem nobre para entregar a rosa de prata.
Sophie, feliz com a perspectiva do noivado -o pai sonha com sua aproximação com a nobreza- e Ochs vê nas bodas sua salvação financeira. Octavian, ao entregar a Rosa de Prata para Sophie, à sós, conversam e se apaixonam à primeira vista.
O inconveniente Ochs, ao tratar Sophie de maneira grosseira, desperta o ódio de Octavian que provoca um duelo entre eles, ferindo levemente o Barão. Para provar ao pai de Sophie que Ochs é mau caráter, Octavian prepara uma cilada, travestindo-se de Mariandel e marca encontro com Ochs, convidando Faninal e a polícia para dar o flagrante no local.

Elīna Garanča e Kurt Rydl, o Barão Ochs.

Octavian, já em trajes masculinos, chega-se a Sophie e declara seu amor, plenamente correspondido.
A Marechala, que amava Octavian, em gesto de desprendimento, sabedoria e amor aos dois, renuncia a Octavian em favor de Sophie e, com dignidade, retira-se da cena.
No dia 15 de abril de 2012, o Wiener Staatsoper, templo da música de ópera, feericamente iluminado, lotação esgotada, era um palácio em festa. Derradeiros ingressos, avidamente disputados a preços exorbitantes, às portas do teatro.
Frisson no ar era sentido. Certamente pela ansiedade geral em ouvir a bela voz de mezzo soprano, natural da Letônia, Elina Garanca (pronuncia-se Garancha e tem acento circunflexo invertido na letra c). Guindada hoje à condição de diva, “pop star” recebe milionários cachês por suas aparições nos palcos do mundo. Além da voz privilegiada, cerca-a a aura de mulher belíssima, loura, alta, elegante, olhos lindos, porte altivo, jovem, tez luminosa.
Sem comparações com divas do passado, rotundas, pesadas, quase sempre estáticas no palco, enormes caixas torácicas para as belas vozes que possuíam.
Garanca será um Octavian iniciado nas artes do amor pela beleza outonal da Marechala que amando-o, teme a ação corrosiva do tempo, preocupa-se com a beleza que fenece e com o jovem amado, ingênuo, que poderá ser seduzido por uma mulher mais jovem, mais bela. Estes são os presságios da Marechala.
Garanca, na pele de Octavian, em cena, faz jus a toda a sua fama. Voz madura, grave nos registros mais baixos, tem agudos igualmente belos, límpidos e poderosos. Perfeita no domínio da cena, esfuziante em sua beleza e voz portentosa. Enfeitiçou a plateia que a aclamou em boca de cena, calorosa, entusiástica por mais de dez minutos. Verdadeira consagração que enchem as medidas das gentes de todo o mundo que foram vê-la. Perfeita ao longo de toda a ação, sublime no trio final com a Marechala e Sophie.
Neste final, Strauss atinge um de mais altos instantes de inspiração musical. A Marechala de Nina Stemme foi uma parceira à altura. Bela presença, bela voz, agudos perfeitíssimos, soprano excepcional.
Kurt Rydl, o Barão Von Ochs, tem um timbre grave, sonoro e adequado para o histrionismo do papel. Além disto, ótimo ator que conduziu com maestria a parte cômica importantíssima em seu papel.


Nina Stemme, a Marechala da montagem vienense.

Grande elenco, orquestra impecável, encenação adequada. A soprano Chen Reiss, Sophie, suave, delicada, tessitura agradável, perfeita no trio final e nos duetos com Octavian. A atmosfera vienense da ópera foi preservada com cenários e costumes impecáveis que transmitiram o que era requerido para a ação.
Um Strauss versátil, saído dos dramas trágicos das óperas com temas bíblicos e as oriundas do pesado teatro grego, para esta alegre comédia vienense, grotesca, sublime ao final, com ensaios de valsas, no melhor estilo de Viena. Espetáculo que encontrou a Babel de estrangeiros que acorreu ao teatro e deliciou os vienenses com uma ópera que tem o perfil da cidade majestosa, que mantém aliadas a jovialidade do povo e os resquícios gloriosos do poderoso Império Austro-Húngaro.
Um fato curioso: à entrada do teatro, nas portas, posters lindíssimos de Garanca, com o traje claro de Octavian. O personagem principal, a Marechala, detentora de voz excelente, não teve o destaque visual de Elina Garanca.
Não há explicação racional para um público apaixonado por um mito.
Paixão é paixão. Só o coração conhece suas razões que a própria razão desconhece.
Espetáculo grandioso que marcou para sempre o público daquela noite!

Der Rosenkavalier Overture - Carlos Kleiber 

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