Minha iniciação nos prazeres
do mundo da ópera
do mundo da ópera
por Ildefonso Côrtes
Deixem
que me apresente. Gosto de ópera desde 10 anos de idade. Fui iniciado nestes
mistérios pelo meu primeiro guru no assunto, o querido Henrique Marques Porto,
crítico musical que escrevia para jornais e produzia programa de rádio sobre
música, apaixonado pela ópera, rara sensibilidade para as belezas do canto
lírico, meu tio-avô.
O
templo de minha iniciação localizava-se em Jacarepaguá, Rio de
Janeiro, numa casa jardinada, quintal onde plantas, árvores e flores vicejavam
alegres ao sol carioca.
Passava
muitos fins de semana lá, onde Tio Henrique, homem do mundo, viajado,
organizava festins de Sardanapalo, opíparos banquetes. Grão sacerdote da boa
música e da boa mesa preparava suntuosas peixadas, mariscadas afrodisíacas,
rabadas lascivas, dionisíacas feijoadas.
Após
estas comilanças, a iniciação na ópera com acesso integral aos libretos em
italiano ou francês. Simples, descontraído, brincalhão, junto ao equipamento de
som, ele, muitas vezes em cuecas, olhar rútilo, rosto expressivo, face
crispada, regia a partitura em suas nuances, caudalosamente, com gestual que
descrevia a música, de forma exuberante, entremeado do canto representando a
cena, como se no palco estivesse. A trama, as expressões mais enfáticas, a
história da criação da ópera inserida em seu contexto histórico já havia sido
esmiuçada a priori em longas conversas que precediam as audições.
Puccini
era um dos autores favoritos – Butterfly, Bohème, Tosca, Turandot, Soror
Angélica, Manon Lescaut eram sorvidas no texto original.
Os sete filhos já haviam
sido inoculados pelo vírus da ópera e alguns se sucederam, no Municipal, nos
papéis infantis de Butterfly, Soror Angélica e Gianni Schichi.
Além do canto verdiano, que
igualava o de Puccini, Andrea Chenier de Giordano, Thaís, Werther e Manon de
Massenet, Cavalleria Rusticana e I Pagliacci, a inseparável Cav-Pag de Mascagni
e Leoncavallo, eram as óperas mais ouvidas. Fui descobrindo as Leonoras,
Amneris, Aidas, Gilda e Rigoleto, Azucena, Manrico, Nathanael, Violeta Valery,
Alfredo Germont, Dom Alvaro, Enzo Grimaldi da Gioconda de Ponchielli.
Fui apresentado ao Verdi
amadurecido de Otello e Falstaff que compunham a fase madura do mestre
italiano.
Wagner, Mozart, os mestres
do bel canto, Donizetti, Belini, foram-me chegando paulatinamente. Adolescente
que era, a ópera tomou-me de assalto com a observação das descobertas que me
enchiam de prazer. Quando completei 15 anos de idade, surpreendi meus pais com
o presente de aniversário escolhido: uma gravação, na íntegra, da Cavalleria
Rusticana, com Maria Callas – Santuzza, Giseppe Di Stefano – Turidu, Tito Gobbi
– Compadre Alfio, com a orquestra do Scala de Milão conduzida pelo doce e sagaz
Tulio Serafim, pai musical de Callas. O presente, que não se encontrava
facilmente no Rio de Janeiro, teve que ser importado.
Outra paixão diferente me
consumia: o Flamengo do tri-campeonato de 42/43/45 e com minha participação nos
estádios, torcedor apaixonado, no tri-campeonato de 53/54/55 de Sinforiano
Garcia, Pavão, Dequinha, Doutor Rubis, Jordan e o angélico paraguaio Fleitas
Solich, técnico que acalmava os jogadores na concentração, tocando piano. Ao
invés do “mais querido”, no presente, optei pela diva Maria Callas, paixão de
toda minha vida futura.
Tenor Assis Pacheco |
Ainda na década de 50,
vinham ao Brasil os monstros sagrados da cena lírica internacional: Mario Del
Monaco, Tagliavini, Gian Giacomo Guelfi, Simionato, Fedora Barbieri, Elizabeta
Barbato, Boris Christoff, Magda Olivero. Assisti a todos de pé, atrás de
colunas, no chão, na galeria, na última hora, em lugares vagos. Tudo pela
influência do Tio Henrique junto à Administração do Teatro. Assisti a ensaios
e, quando possível, mais de uma récita. Acompanhei também os passos, com mais
intimidade, dos nossos Colósimo, Paulo Fortes, Violeta Coelho Neto de Freitas,
Assis Pacheco, Glória Queiroz, Clara Marise, Fernando Teixeira.
Como Engenheiro militante em
estaleiros brasileiros, por dever de ofício, viajei por quase todo o mundo. A
mesma unção religiosa dos verdes anos me levou - mais amadurecido e melhor conhecedor
- a assistir espetáculos fascinantes em Praga, Viena, Salzburgo, Novo York,
Londres, Hamburgo, Düsseldorf, Colônia, Milão.
Coluna de Ildefonso em "A Notícia". Idéia do tio. |
Na catedral desta crença,
rezo fervoroso em várias capelas: a da música sinfônica com os mestres da Idade
Média, Renascença, Barroco, Romantismo, Clássico, impressionistas, a música
sacra e coral e a de câmera que um velho amigo, Dr. Hélio de Lima Carlos,
cardiologista, vaticinou-me certa vez: “Ao final você vai descobrir os prazeres
refinados da música onde sem percussão, pirotecnias orquestrais, poucos
instrumentos fazem a música cingir-se ao essencial. Nada de excessos, só o filé mignon” como ele, jocosamente, me
dizia. Anos depois vi cumprir-se a sua profecia, a música de câmera me tem
conduzido a encantamentos inexcedíveis.
Tenho a paixão pela música
como meu “leit-motiv” vital e faço coro às sábias palavras do Artur da Távola,
grande conhecedor de música, quando disse:
“Música é vida interior.
Quem tem vida interior nunca está só”.
Bela e delicadas lembranças, amigo Ilde. Parabéns.
ResponderExcluirParabéns, Ilde, por se artigo emocionante. Sou suspeita no que concerne às palavras escritas sobre meu pai. Mas não posso deixar de subscrevê-las, pois muito bem o traduzem. Seu texto expressa mais que o agradecimento e o carinho de um sobrinho. Faz sentido. Ele foi um pai musical não só para os próprios filhos. Como costumo dizer, ele tinha o dom de infundir o amor pela música (e pela ópera em especial) a quem estivesse por perto. Quanto à turminha infanto-juvenil que o cercava, conseguiu um resultado ótimo - quase a metade dos filhos ligados para sempre à ópera e mais dois sobrinhos: você e o João Gualberto. Obrigada, Ilde! Beijos.
ResponderExcluirUau, Ilde! Sensacional o artigo! Beijocas
ResponderExcluirPrimo Ildefonso, texto emocionante e bela homenagem! Ao narrar seus primeiros contados com a ópera, pelas mãos do papai, você evidencia o quanto ele está presente em nossas vidas. Mesmo passados tantos anos de sua morte, ele continua sendo uma referência de bom gosto, sensibilidade e bom humor. Imagino que a surpresa dos queridíssimos Mila e Renato, igualmente sensíveis, com o presente pedido por você ao completar 15 anos tenha, rapidamente, cedido lugar a um grande sentimento de orgulho pela escolha do filho ainda tão jovem. bjs e obrigada!
ResponderExcluirCaro Ildefonso
ResponderExcluirParabéns pelo seu texto cheio de emoção. Mesmo quem não teve o privilégio de conhecer o Marques Porto, tem agora o prazer de conviver com seus filhos e familiares. Com depoimentos como o seu, e muitos outros que ouço dos filhos, passei a amar cada vez mais esse homem sensível e musical. Mais do que merecida a homenagem.
Beijos.
Helô
Meu pai conta que numa visita há muitos anos em nossa casa,Assis Pacheco, que era seu primo, cantou algumas músicas, e quando saiu fiquei tentando imitar. Tentando, claro, pois realmente não nasci para isso. Era muito pequena, e talvez tenha sido meu primeiro contato com ópera, que admiro muito.
ResponderExcluirFiquei muito feliz em ver esta foto.
Parabéns!
Francis