Don
Giovanni no l'Opéra-Bastille
l'Opéra-Bastille de Paris |
(de Paris) por Ildefonso Côrtes
Luchino
Visconti teve seu repouso eterno perturbado pela montagem que Michael Haneke
encenou com cenários de Christoph Kanter e costumes de Annette Beaufays em
Paris, no Ópera Bastille em 25 de março de 2012.
Visconti,
metteur en scene exigente,
meticuloso, obcecado pela forma e fidelidade do cenário e indumentária ao
espírito da obra que encenava, o italiano, mentor de Maria Callas, reinava no
Scala de Milão com montagens magníficas e como diretor de cinema deixou sua arte
em filmes como “O Leopardo”, “Ludwig”,
entre tantos.
Rigoroso
ao extremo, na cena do baile no filme “O
Leopardo”,
que o decadente Príncipe de Salina oferecia à sociedade local,
Visconti exigiu que as cômodas e armários que compunham a cena fossem abastecidas
com lençóis e toalhas que não seriam vistas pelo espectador, mas que, segundo
ele, dariam realidade à encenação.
Don Giovanni, que o libreto
de Lorenzo da Ponte descreve como sedutor punido, mito nascido no contexto do
barroco espanhol que Tirso de Molina e Molière, entre outros, tornaram
célebres, ao final do século XVIII, era um grande sucesso nas peças teatrais. Este
herói, insaciável em suas conquistas com uma sensualidade demoníaca, aparecia
para o público como encarnação viva de seu protesto contra a velha concepção
racionalista da vida. O tema, acolhido com calor, correspondia ao romantismo
que nascia.
Don Giovanni situa-se entre
o velho regime e o romantismo anti-racionalista da vida. Obra de transição
(estamos a dois anos da Revolução Francesa) e os românticos viam na
libertinagem do herói a sede do infinito na voluptuosidade (Musset).
Este é o espírito do Don Giovanni criado na atmosfera da
época, estreou em 29 de outubro de 1787 no Teatro Nacional de Praga. Nada disto
ocorreu ao Diretor de cena Michael Haneke em sua visão do drama que gerou a
montagem equivocada da apresentação de 25 de março de 2012 em Paris.
Don Giovanni, na concepção de Michael Haneke |
Num cenário de arranha-céus,
onde transitavam Don Giovanni e Leporello, ambos de terno e gravata,
faltaram espadas para o duelo com o pai de Don’Anna, o Comendador, cuja morte
deveu-se, aparentemente, a uma facada do sedutor, o que foge ao estilo da
época.
O casamento de Zerlina e Masetto, ao invés do palácio do nobre Don Giovanni, o que se vê são pessoas em trajes modernos com
prédios luminosos ao fundo e quando ele ordena que se faça música, ao invés do
rock ou outra música do século dos arranha-céus, toca-se um minueto!
E para culminar, o Comendador atende ao convite para cear
com Don Giovanni sentado numa cadeira
de rodas, e a cabeça foi substituída por um globo branco iluminado. Horrível, esta
cena, ao final, coroou o mau gosto do espetáculo em que as máscaras da Comédia
Del’arte seriam substituídas por máscaras de Mickey Mouse, o personagem criado
pelo Walt Disney.
Inacreditável, mas a música
sobreviveu a esta sucessão de agressões ao espírito da obra. Casa cheia, o
público aplaudiu ao final, calorosamente.
Peter Mattei |
Peter
Mattei, a voz mais aclamada, foi um Don Giovanni musicalmente bom, mas prejudicado na apresentação no
palco por uma encenação grotesca. Um Don
Giovanni de terno e gravata, que troca de roupa com um Leporello
transformado em gentil homem com trajes atuais, iguais aos do patrão para a
corte de D. Elvira.
Don’Anna, com Patricia Petibon no papel, agradou às expectativas
dos parisienses que apreciam muito seu timbre e sua voz mozartiana. Destaque
para Saimir Pirgu que apresentou um Don Otavio másculo, protetor, sem as pieguices
que muitos tenores oferecem.
Um bom Leporello de David Bizic
na parte vocal e em cena. Zerlina foi belamente representada por Gaelle Arquez. Timbre claro, foi uma
Zerlina excelente também na presença em cena, além da bela voz.
Orquestra e coro, dirigidos por Philippe Jordan, corretos
justificaram a fama da Orquestra e Coro da Ópera Nacional de Paris naquela que
se considera a “ópera das óperas”.
A parte musical, fiel ao
gênio mozartiano, ficou incólume ao mau gosto do Sr. Michael como diretor de
cena, alvo de comentários desairosos ouvidos nos corredores durante os
intervalos.
A tentativa de inovação ao
modernizar obras consagradas nem sempre é bem sucedida e acabam por
ridicularizar cenas que atravessam os séculos, empolgando públicos diversos
pela própria natureza de sua criação!
Mas, para os que gostam de
Mozart e cerraram os olhos nos dois atos, foi um bom espetáculo.
Don Giovanni - Opéra-Bastille de Paris
14/abril/2012
14/abril/2012
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