sexta-feira, 27 de abril de 2012


Don Giovanni no l'Opéra-Bastille

l'Opéra-Bastille de Paris

(de Paris)  por Ildefonso Côrtes
          Luchino Visconti teve seu repouso eterno perturbado pela montagem que Michael Haneke encenou com cenários de Christoph Kanter e costumes de Annette Beaufays em Paris, no Ópera Bastille em 25 de março de 2012.

          Visconti, metteur en scene exigente, meticuloso, obcecado pela forma e fidelidade do cenário e indumentária ao espírito da obra que encenava, o italiano, mentor de Maria Callas, reinava no Scala de Milão com montagens magníficas e como diretor de cinema deixou sua arte em filmes como “O Leopardo”, “Ludwig”, entre tantos.
         
         Rigoroso ao extremo, na cena do baile no filme “O Leopardo”, que o decadente Príncipe de Salina oferecia à sociedade local, Visconti exigiu que as cômodas e armários que compunham a cena fossem abastecidas com lençóis e toalhas que não seriam vistas pelo espectador, mas que, segundo ele, dariam realidade à encenação.

Don Giovanni, que o libreto de Lorenzo da Ponte descreve como sedutor punido, mito nascido no contexto do barroco espanhol que Tirso de Molina e Molière, entre outros, tornaram célebres, ao final do século XVIII, era um grande sucesso nas peças teatrais. Este herói, insaciável em suas conquistas com uma sensualidade demoníaca, aparecia para o público como encarnação viva de seu protesto contra a velha concepção racionalista da vida. O tema, acolhido com calor, correspondia ao romantismo que nascia.

Don Giovanni situa-se entre o velho regime e o romantismo anti-racionalista da vida. Obra de transição (estamos a dois anos da Revolução Francesa) e os românticos viam na libertinagem do herói a sede do infinito na voluptuosidade (Musset).

Este é o espírito do Don Giovanni criado na atmosfera da época, estreou em 29 de outubro de 1787 no Teatro Nacional de Praga. Nada disto ocorreu ao Diretor de cena Michael Haneke em sua visão do drama que gerou a montagem equivocada da apresentação de 25 de março de 2012 em Paris.

Don Giovanni, na concepção de Michael Haneke
Num cenário de arranha-céus, onde transitavam Don Giovanni e Leporello, ambos de terno e gravata, faltaram espadas para o duelo com o pai de Don’Anna, o Comendador, cuja morte deveu-se, aparentemente, a uma facada do sedutor, o que foge ao estilo da época.

O casamento de Zerlina e Masetto, ao invés do palácio do nobre Don Giovanni, o que se vê são pessoas em trajes modernos com prédios luminosos ao fundo e quando ele ordena que se faça música, ao invés do rock ou outra música do século dos arranha-céus, toca-se um minueto!

E para culminar, o Comendador atende ao convite para cear com Don Giovanni sentado numa cadeira de rodas, e a cabeça foi substituída por um globo branco iluminado. Horrível, esta cena, ao final, coroou o mau gosto do espetáculo em que as máscaras da Comédia Del’arte seriam substituídas por máscaras de Mickey Mouse, o personagem criado pelo Walt Disney.

Inacreditável, mas a música sobreviveu a esta sucessão de agressões ao espírito da obra. Casa cheia, o público aplaudiu ao final, calorosamente.

Peter Mattei

Peter Mattei, a voz mais aclamada, foi um Don Giovanni musicalmente bom, mas prejudicado na apresentação no palco por uma encenação grotesca. Um Don Giovanni de terno e gravata, que troca de roupa com um Leporello transformado em gentil homem com trajes atuais, iguais aos do patrão para a corte de D. Elvira.

Don’Anna, com Patricia Petibon no papel, agradou às expectativas dos parisienses que apreciam muito seu timbre e sua voz mozartiana. Destaque para Saimir Pirgu que apresentou um Don Otavio másculo, protetor, sem as pieguices que muitos tenores oferecem.
Um bom Leporello de David Bizic na parte vocal e em cena. Zerlina foi belamente representada por Gaelle Arquez. Timbre claro, foi uma Zerlina excelente também na presença em cena, além da bela voz.



Orquestra e coro, dirigidos por Philippe Jordan, corretos justificaram a fama da Orquestra e Coro da Ópera Nacional de Paris naquela que se considera a “ópera das óperas”.

A parte musical, fiel ao gênio mozartiano, ficou incólume ao mau gosto do Sr. Michael como diretor de cena, alvo de comentários desairosos ouvidos nos corredores durante os intervalos.

A tentativa de inovação ao modernizar obras consagradas nem sempre é bem sucedida e acabam por ridicularizar cenas que atravessam os séculos, empolgando públicos diversos pela própria natureza de sua criação!

Mas, para os que gostam de Mozart e cerraram os olhos nos dois atos, foi um bom espetáculo.

Don Giovanni - Opéra-Bastille de Paris 
14/abril/2012
 

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