“Clone” de
A Ópera em
questão
As transmissões de
óperas ao vivo em HD
"A solução mais cara seria
explodir as casas de ópera”.
Pierre Boulez
em 1972
Não resta dúvida de que as transmissões ao vivo de óperas do
Met e do Royal Opera House, sobretudo no primeiro caso, são um sucesso. O que
não quer dizer que o projeto inaugurado em 2006 pelo alemão Peter Gelb, diretor
do Metropolitan, esteja livre de críticas e até de alguma polêmica.
No Rio de Janeiro, em São Paulo, Buenos Aires, Lisboa, Belfast,
ou mesmo em Pequim a avaliação mais corrente é de que assistir às transmissões
ao vivo, com imagem de alta definição, em salas de cinema, é a única opção para
a maioria dos amantes da ópera.
Peter Gelb, diretor do Met |
“É engraçado: em
algumas sessões, o público aplaude entre as árias. Eles estão aplaudindo quem?
Acho que estão aplaudindo a ópera como gênero e a possibilidade de estar ali,
em comunidade, tendo acesso a ela” –disse Gelb, em 2009, numa entrevista a Luiz Paulo Sampaio,
de “O Estado de São Paulo”.
Não, Mr. Gelb. Os aplausos não foram para o senhor, embora os
mereça. Foram para os cantores mesmo. É assim aqui do lado de baixo da linha do
equador.
Ao assumir a direção do Met em 2006, Peter Gelb identificou dois
problemas: 1) a média de idade dos frequentadores do teatro era de 65 anos; e mais
grave, 2) a situação financeira do Met ia de mal a pior, agravada pelas ameaças
da crise econômica americana, que logo se tornaria global. O Met depende do
patronato para se manter e estava diante de uma real situação de risco –a perda
de receitas provenientes das doações. Era necessário, portanto, encontrar novas
fontes de captação de recursos. Não foi tarefa difícil para Peter Gelb, um
experimentado executivo que acabara de deixar o comando da Sony Music para
assumir o posto de manager do Met. Gelb
pôs em execução o que chamou “Projeto HD”. Eram as óperas montadas no Met
chegando, ao vivo, aos cinemas de todo o mundo.
O objetivo principal do ambicioso projeto estava bem claro:
captar recursos para o Metropolitan Opera House. Gelb pode festejar. As
transmissões de óperas ao vivo, em HD, chegam atualmente a 1.700 salas de
cinema em 54 países e geram um lucro líquido de US $11 milhões para o Met.
É verdade que as transmissões ao vivo são capazes de atrair
público para a ópera. Mas por enquanto, seu resultado é apenas este: uma tacada
certeira de Peter Gelb, que tirou do vermelho as finanças do Metropolitan, um
teatro que possui um orçamento anual de 300 milhões de dólares. Para efeito de
comparação, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro teve em 2011 um orçamento total
de 53 milhões de reais.
Quer dizer, então, que o público brasileiro estaria condenado
a jamais ver em seus próprios teatros de ópera as grandes estrelas do canto
lírico? Talvez. Mas, não seremos apenas nós, o público brasileiro, que ficaremos
sem Jonas Kauffmann, Anna Netrebko, Elina Garanca e tantos outros grandes
artistas. Eles, os artistas, também estarão privados de conhecer de perto o seu
público! No Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Buenos Aires.
Esse esquema milionário que concentra as produções de ópera em
dois ou três centros e transmite para as periferias os espetáculos com imagem
HD, ou oferece reprises ao público (projeção de um DVD na tela de um cinema) tira
dos artistas o que é mais importante para eles: o contato direto com o
público!
As palmas que batemos aqui não são as mesmas que batem lá
fora. O público brasileiro de ópera não é solene e frio, como o de Viena ou o
de Londres. O público brasileiro é passional. Nós berramos, pedimos bis,
assoviamos, gritamos os nomes dos cantores, queremos vê-los de perto. Enfim,
somos acolhedores e calorosos.
Portanto, não somos apenas nós que estamos privados desses artistas de que
gostamos tanto. Eles também estão sendo privados de nós! Se nos conhecerem vão querer
voltar sempre. Idem em relação aos argentinos, mexicanos, venezuelanos e
uruguaios -povos que também cultivam o gosto pela música e a ópera em
particular.
De minha parte fico feliz em contribuir para a saúde financeira do Metropolitan, embora Nova York continue a fazer pouco caso dos nosso sobrevalorizado real. Mas confesso que muito melhor seria estar contribuindo para a produção de óperas aqui mesmo no Rio de Janeiro, no teatro que construímos para esta finalidade, o Theatro Municipal.
As transmissões ao vivo de óperas dos
grandes centros para as periferias são benvindas. Mas não podem inviabilizar ou matar as produções locais. Se assim for, significarão uma "coppia inicua" entre comércio, finanças e arte. Boa para o Met. Péssima para nós.
Henrique Marques Porto
Anna Netrebko - "Coppia Inicua" - Ana Bolena
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