A ópera já foi encenada 110 vezes no Theatro Municipal
por Comba Marques Porto
Fernando Teixeira: Rigoletto. Teatro São Carlos de Lisboa, em 1987 |
Cinemas
de várias cidades do mundo exibirão a ópera Rigoletto,
de Verdi, no dia 17/04/2012, diretamente do Royal Opera House, de Londres. Em tempo
de escassez de montagens de óperas no Rio de Janeiro, pode ser útil comparar a
situação atual - teatros às escuras e óperas somente por intermédio da internet
e demais recursos eletrônicos - com a de um passado não tão remoto em que a
produção contínua de óperas incrementava a história cultural do Rio de Janeiro.
Recorro, assim, aos registros disponíveis para enfocar a trajetória das
apresentações da ópera Rigoletto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro –
TM/Rio.
De
acordo com pesquisas publicadas por Edgar de Brito Chaves Junior[1], a
ópera Rigoletto integra o rol das
mais apresentadas no TM/Rio, desde sua inauguração em 1909 até 1989. No período
analisado pelo autor, a ópera Rigoletto
foi apresentada 110 vezes, ficando em sexto lugar entre as dez mais. Em
primeiro lugar está La Bohème (Puccini),
com 135 apresentações; em segundo, La
Traviata (Verdi), com 134; em terceiro lugar, Madama Butterfly (Puccini), com 122 apresentações; em quarto Tosca (Puccini) com 120; em quinto lugar
Aida (Verdi), apresentada 114 vezes.
Em sétimo, oitavo, nono e décimo lugares, estão, respectivamente: Cavalleria Rusticana, de Mascagni, (85 vezes); Carmen, de Bizet, (82 vezes); O
Barbeiro de Sevilha, de Rossini, (80 vezes); I Pagliacci, de Rugero
Leoncavallo, (73 vezes).
O
site do TM/Rio[2]
não disponibiliza informações sobre as numerosas montagens de óperas ocorridas
em seus mais de 100 anos de vida. De tal modo, na falta de interesse por parte
dos sucessivos gestores de Teatro Municipal do Rio de Janeiro no resgate da história
das atividades desta centenária casa de música, dança e teatro, os livros de
Chaves Junior passam a ser a fonte mais segura de conhecimento sobre a produção
dessa casa de ópera tão importante para o Brasil e para a América Latina.
As
montagens de Rigoletto na cidade do Rio
de Janeiro marcaram a presença de grandes nomes da cena lírica internacional,
sendo também incluída nas temporadas líricas inteiramente nacionais, desde que
começaram a ser organizadas, em 1937, sob o comando de Gabriela Besanzoni Lage.
Carlo Galeffi. Rigoletto |
O
grande barítono Carlo Galeffi apresentou-se no papel-título de Rigoletto em 1923, 1933 e em 1938. Outro
expoente do século passado, o barítono americano Leonard Warren, cantou o Rigoletto em 1944 e em 1945. Em 1946, tivemos
a presença de Gino Bechi. Em 1948, J. Villa foi o bufão, contracenando com
Giuseppe di Stefano, no Duque de Mântua.
Rigoletto não foi incluída nas
grandiosas temporadas do início dos anos 50, quando se apresentaram no TM/Rio Callas,
Tebaldi, Elisabetta Barbato, Giulietta Simionato, Fedora Barbieri, Beniaminio
Gigli, Mario del Monaco, Gian Giacomo Guelfi, Nicola Rossi-Lemeni, Boris
Christoff, Italo Tajo dentre tantas outras vozes de renome internacional.
Em
1964, o Rio de Janeiro recebeu um grande elenco internacional, que se
apresentou durante todo o mês de julho. Foi a última grande temporada lírica organizada
no formato semelhante às anteriores – fartura de títulos e de apresentações, em
récitas noturnas e matinês. A ópera Rigoletto
não foi incluída no repertório, mas o barítono Piero Cappuccilli brilhou no
papel de Gerard, em Andrea Chénier (Giordano) e Gian Giacomo
Guelfi arrepiou a platéia com o seu Scarpia,
na Tosca, de Puccini, contracenado
com a intensa Magda Olivero.
Lourival Braga |
Na
história das temporadas líricas nacionais, dois nomes se destacam na
interpretação do bufão concebido por Victor Hugo e recriado por Verdi: Lourival Braga e o saudoso Fernando Teixeira. O primeiro se
apresentou em 1973, num dos últimos espetáculos em que atuou. Lourival Braga faleceu
em 1978, vítima de acidente de trânsito.
Curiosidade:
em 1975, pela primeira vez desde a inauguração, não houve espetáculo de ópera
no TM/Rio. No ano seguinte o teatro fechou para reformas, que duraram dois anos
e cinco meses, sendo reaberto em 1978. Em 1979 tivemos seis récitas de Rigoletto.
O exame atento da segunda etapa do trabalho de Chaves Junior - o “Diário do Municipal (1971-1990)” - indica um bom resultado na produção de ópera do TM/Rio no período, conquanto não se tenha mais reproduzido o modelo de organização das temporadas da primeira metade do século. Ainda que de forma esparsa, tivemos bons espetáculos, com bons intérpretes.
Fernando Teixeira. Brasília, 1991. |
Nos últimos anos da década de 80, concentraram-se as mais brilhantes performances do querido barítono Fernando Teixeira, que tive o prazer de conhecer mais de perto devido à sua amizade com meu pai, Henrique Marques Porto, um incentivador de sua carreira, que se firmou a partir de 1962. Fez enorme sucesso em 1987, cantando com Placido Domingo o segundo ato do Otello, em forma de concerto. Ao lado dos dois, a soprano Leyla Guimarães. Sua versão do “Credo”, a famosa ária do personagem Iago, era das melhores do mundo, como reconheceu na época o próprio Plácido Domingo. Neste mesmo ano, cantou o Rigoletto no Teatro São Carlos, de Lisboa, sob a regência de John Neschling.
A temporada de 1989 alçou Fernando Teixeira ao patamar das grandes vozes líricas do século XX. Em produção de Fernando Bicudo, Teixeira se apresentou como Renato em Un Ballo in Maschera (Verdi), em forma de concerto, sob a regência de Isaac Karabtchevsky, com o Coro Ópera Brasil, criado por Bicudo, em companhia do grandioso tenor Carlo Bergonzi, no papel de Riccardo. Em agosto, Fernando cantou o Gerard, da ópera Andrea Chénier (Umberto Giordano), também em forma de concerto, com a soprano americana Aprile Millo. O ano de 1989 deixou saudades. Reaberto o teatro depois de mais uma breve reforma, além das excelentes montagens de óperas em forma de concerto – boa ideia do Bicudo – tivemos em julho um bonito Rigoletto, com encenação, sob a regência do maestro Romano Gandolfi. O barítono brasileiro Fernando Teixeira fazia sua última apresentação nesta ópera.
Fernando
Teixeira, nascido no Rio de Janeiro em 1932, faleceu em 1991, depois de sofrer um acidente vascular
cerebral durante um ensaio de “O Barbeiro
de Sevilha”, de Rossini, que ele estrearia na cidade de Porto Alegre, sul do
Brasil.
[1]
Chaves Jr, Edgar de Brito - “Memórias e glórias de um teatro: sessenta anos de
história de Teatro Municipal do Rio de Janeiro”, Rio de Janeiro, Cia Editora
Americana, 1971 e “Diário de Municipal (1971-1990)”, Rio de Janeiro, Gryphus,
1993.
[2]
(http://www.theatromunicipal.rj.gov.br/historia.html)
Fernando Teixeira - "Cortigiani, vil razza dannata"
Lisboa, 1987
Em minha avaliação, Fernando Teixeira foi o melhor barítono verdiano do mundo da segunda metade do século passado! Quanta honra e alegria de ter trabalhado com ele!!!
ResponderExcluirFernando Bicudo
Caro Fernando, obrigado por seu comentário com o qual concordo. Perdemos o Fernando muito cedo. Seu trabalho no OSB há de nos brindar com óperas em forma de concerto, como as que menciono na matéria. Parece-me uma solução excelente e provavelmente mais exequível. Saudades dos tempos de boas performances de ópera ao vivo! Um abraço.
ExcluirComba
É uma pena que os brasileiros conheçam tão pouco sobre seus grandes artistas!! Uma honra poder responder ao comentário de um deles!
ExcluirFernando Teixeira, nesse mesmo palco do Salão de Atos da PUCRS em que faleceu*, iluminou a cena lírica porto-alegrense em diversas ocasiões: Lucia (Enrico)-1976; Barbeiro (Fígaro)-1977; Aída (Amonasro)-1977; Faust (Valentin)-1978; La Traviata (Germont)-1978; Nabucco (Nabucco)-1980; La Gioconda (Barnaba)-1983; Il Trovatore (Conde)-1984. Ele era grande amigo do maestro Frederico Gerling Jr. Este, falecido há pouco, diretor do Instituto de Cultura Musical da PUCRS por mais de 30 anos, foi um grande fomentador da ópera em Porto Alegre.
ResponderExcluir* De acordo com o que nos relatou o próprio maestro Frederico Gerling Jr., a morte de Fernando Teixeira poderia ter sido evitada. Na verdade, o ensaio do Barbeiro estava sendo realizado em outro teatro da PUCRS, não no Salão de Atos. Esse outro teatro ficava mais para dentro do campus, em prédio distante da Av. Ipiranga e do Hospital São Lucas. À época, era permitido o estacionamento no próprio campus; não existiam os estacionamentos de hoje. Havia muitos carros que obstruíram a passagem da ambulância. Esta foi impossibilitada de avançar. Tiveram, então, de improvisar numa porta a maca para levar Fernando Teixeira ao Hospital São Lucas, que fica do outro lado da Av. Ipiranga. Segundo o maestro Gerling, tal processo de remoção demorou muito, o que pode ter sido decisivo ao trágico desfecho. Lamentável a perda prematura em tais circunstâncias desse grande artista.
R. MARINO
Caro R. Marino,
ExcluirDesconhecia esses detalhes lamentáveis sobre a morte de Fernando Teixeira, um homem humilde, de hábitos simples, mas um artista imenso, dotado de uma voz bela como poucas vezes ouvi na vida. Tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente e de conversar com ele, no início da carreira e depois. Ficava encantado ouvindo-o falar com aquela voz bonita que a natureza lhe deu, e impressionado com a grandeza de sua personalidade. Algumas dessas óperas que ele cantou no sul jamais cantou no Rio de Jsneiro, pela falta de visão dos nossos gestores. Fernando não reclamava. Certa vez perguntei-lhe num camarim do Theatro Muicipal do Rio: "-Fernando, quando é que vamos vê-lo no "Scarpia", da Tosca? Ele respondeu: "-Já estudei e conheço muito bem o papel. É só me chamarem, ué" - e sorriu, em paz coma própria consciência. Eram os anos 80 e uma "Tosca" estava para entrar em cartaz. Não o chamaram.
abraço
Henrique Marques Porto
Sr. Henrique, que grande mestre foi Fernando Teixeira. E este excelente blog é um veículo importantíssimo de divulgação da arte do nosso grande barítono e de tantos outros que fizeram parte da história da ópera no Brasil. Já sou um grande fã deste espaço.
ResponderExcluirRicardo Marino.
Caro Ricardo,
ExcluirFoi essa precisamente uma das motivações que me levaram a criar o Opera Sempre: registrar parte da já longa história do canto lírico e da ópera no Brasil e lembrar e reapresentar aos mais jovens os grandes artistas que aqui se criaram, estudaram e se desenvolveram. Cantores como Fernando Teixera, Paulo Fortes, Maria Henriques ou Assis Pacheco -para citar apenas estes- construíram suas carreiras no Brasil. O caso de Fernando é exemplar. Poderia ter feito vitoriosa carreira internacional. Mas era humilde, gostava de morar no subúrbio do Rio de Janeiro, numa área pobre da zona norte, e amava o Brasil. Poucos anos antes de morrer cantou no Rio o segundo ato do "Otello", de Verdi, com Placido Domingo. O grande tenor ficou encantado com a voz do Fernando que, segundo declarou, combinava perfeitamente com a dele pelo timbre e sonoridade. Disse mais: que Fernando era um dos maiores barítonos do mundo. Tanto que convidou Fernando para ir ao exterior (se não me engano a Londres) para cantar e gravar com ele, Placido Domingo. Infelizmente não houve tempo. O nosso querido Fernando faleceu antes. A propósito, veja-o num ótimo "Andrea Chénier" (completo), em forma de concerto, em São Paulo/1989, com Aprille Milo e o tenor Corneliu Murgu. Imperdível! Em http://www.youtube.com/watch?v=GkD-jp3z-ng
abraço
Henrique Marques Porto