domingo, 23 de outubro de 2011



WERTHER

O poeta e a morte por amor

Por Oscar Peixoto

(Publicado orinalmente em http://blogln.ning.com/profiles/blogs/werther-o-poeta-e-a-morte-por)

Jules Massenet

O Werther de Massenet (1842 - 1912) é baseado na novela popular de Johann Wolfgang von Goethe, “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (Die Leiden des jungen Werthers), escrita em 1774. Goethe escreveu a novela em quatro semanas, durante um arrebatamento repentino de inspiração, quando tinha apenas 24 anos. Embora Goethe já possuísse o reconhecimento público por seus versos líricos, ensaios e peças teatrais, foi “Os Sofrimentos do Jovem Werther” a obra que o impulsionou à fama internacional. Com sua novela, Goethe solidificou sua posição como líder do movimento romântico alemão conhecido como 'Sturm und Drang' ou “Tormenta e Paixão”.


A novela de Goethe é, em grande parte, autobiográfica, baseada em suas próprias experiências com o amor não correspondido. Goethe chegou a Wetzlar (lugar não mencionado onde é ambientada a novela), como um advogado de 22 anos. Mas o jovem escritor passava mais tempo lendo Homero e filosofando com amigos que trabalhando. Poucas semanas depois, conheceria Charlotte Buff, de apelido “Lotte”, em um baile em uma pequena aldeia vizinha. Ela se parecia muito com a Charlote retratada na novela e na ópera: uma moça tranquila e alegre que se havia encarregado de cuidar de seus nove irmãos e irmãs menores depois da morte trágica de sua mãe. Ele não sabia que Charlotte estava comprometida para casar com Johann Christian Kestner, um jovem admirável e bem sucedido. Apesar do duro golpe e da decepção, Goethe tornou-se amigo de Lotte y Kestner, passando um verão idílico –embora patético - com o casal. Mas apesar da dor que lhe causara o compromisso de Lotte, nunca teve mais do que palavras de admiração para com Kestner. Finalmente, quase ao fim do verão, Lotte disse a Goethe que não devia esperar nada dela, exceto sua amizade. O jovem escritor deixou o povoado em setembro, mas continuou correspondendo-se com o casal. Charlotte e Kestner casaram-se em abril do ano seguinte.

O suicídio de Werther foi inspirado pelo suicídio verídico de Karl Wilheim Jerusalem, um conhecido tanto de Goethe como de Kestner. Tal como o Werther do livro, Jerusalem era um pintor taciturno que apreciava grandes caminhadas solitárias. Era Jerusalem quem exibia o vestuário “ao estilo britânico” de Werther – casaco azul até os joelhos, colete de couro amarelo, calças de montaria e botas altas.

Diziam as más línguas do povoado que ele amava uma mulher casada que o havia rejeitado. Jerusalem havia enviado uma nota a Kestner, informando-o de que faria uma longa viagem e que necessitava suas pistolas emprestadas. Kestner, alheio ao fato de que Jerusalem planejava cometer suicídio, emprestou-lhe as pistolas. O criado de Jerusalem o encontrou morto na manhã seguinte. A notícia de sua morte causou forte impacto em Goethe; o escritor se identificava intensamente com o amor não correspondido e com o consequente desespero de Jerusalem.
“Os Sofrimentos do Jovem Werther” foi escrito como uma série de cartas de Werther a seu amigo Wilheim. Tais cartas descrevem, em sequência , os dezoito meses de amor enlouquecido e não correspondido de Werther por Lotte. Quando Werther se torna tão insensato, a ponto de não poder seguir trocando correspondência, Goethe assume o papel de editor e descreve os sentimentos íntimos do personagem à medida em que este se aprofunda num abismo em direção ao suicídio.

“Os Sofrimentos do Jovem Werther”. Edição original
O livro influenciou grandemente o público. Por toda a Alemanha jovens começaram a imitar o estilo de vestir de Werther. Os românticos escreviam poemas inspirados na história; pinturas e litografias de Charlotte chorando na tumba de Werther tornaram-se comuns. Wetzlar começou a aparecer em guias turísticos que mostravam o túmulo de Jerusalem e outros pontos de referência mencionados no livro. Napoleão afirmava ter lido Werther sete vezes.

Apesar de não existir evidência, a lenda romântica conta que “Os Sofrimentos do Jovem Werther suscitou uma onda de suicídios através da Europa. A novela certamente era vista como perigosa pela censura em Leipzig ou na Dinamarca, onde foi proibida. Ainda que Goethe não se considerasse responsável pelo suposto aumento de suicídios, em uma edição posterior acrescentou um poema ao final do relato, no qual o fantasma de Werther sugeria ao leitor que não seguisse seu exemplo.
Massenet amava o livro de Goethe e afirmava que escrever “Werther” havia sido uma das experiências mais fascinantes de sua carreira. Chegou a declarar: “Em ‘Werther’ coloquei toda minha alma”. O compositor triunfou verdadeiramente ao captar a essência da obra prima da literatura alemã em uma ópera francesa – uma façanha excepcional.

Ainda assim, a ópera inclui algumas diferenças relevantes em relação à novela de Goethe. Por exemplo: na novela não está claro se Charlotte também ama Werther; na versão de Massenet, Charlotte sofre tanto quanto Werther. Na novela, Werther morre só, sem a oportunidade de voltar a ver sua amada; a ópera de Massenet contém um ato completo em que os amantes declaram seu amor recíproco momentos antes da morte de Werther. Massenet também desenvolveu o papel de Sophie, a radiante irmã de Charlotte.

Werther (tenor) é um jovem poeta, sensível e impressionável, de natureza fogosa. Na famosa ária 'Pourquoi me reveiller', recita un poema de Ossian (um poeta fictício), em um solilóquio próprio de uma alma atormentada e incompreendida a caminho da destruição.

Marcelo Alvarez/Elina Garanca - Werther - act III 

 

Jonas Kaufmann e Sophie Koch - "Pourquoi me reveiller?

Um comentário:

  1. Parabéns, Oscar. Ótimo artigo!

    Jules Massenet está em cartaz em minha "temporada" particular. Recentemente, assisti em DVD a Thaïs, com Renée Fleming/Thomas Hampson. Em seguida, encontrei na Travessa o DVD do Wether, com Kaufmann/Sophie Koch (2010), regência de Michel Plasson. Voltei lá e comprei também a Manon com a dupla Netrebko/Villazon, regência do Daniel Baremboin (2007).

    Essas óperas fazem parte de minha memória afetiva. Mais que as outras? Difícil responder. A ópera como gênero entrou em minha vida através de meu pai. Não há título que não me remeta ao vínculo de afeto. Não é por acaso que voltar a ouvir e ver Massenet traz-me a sensação de que o tempo não passou. A música de fora mistura-se à que tenho guardada no coração. Algo mais forte com Werther. Menos com Manon.

    Aliás, com todo respeito ao compositor, Manon, ao meu ver, fica um tanto abaixo de Werther e de Tahïs. Há em Manon momentos lindos, como a ária de des Grieux, "Ah fuyez, douce image", mas, revendo, achei a partitura por demais prolixa.

    Manon teve estreia em 1884. Depois veio Werther em 1892 e Thaïs em 1894. É notório o embalo melódico-criativo que aproxima estas duas últimas obras e as diferencia da primeira. Sinto em Werther e Tahïs um Massenet muito mais maduro na concepção melodramática.

    O Werther do Jonas Kaufmann que ilustra o artigo pareceu-me particularmente tocante. Michel Plasson imprime um andamento mais ralentado, o que permite ao ouvinte saborear toda a riqueza da parte orquestral da partitura. A estética da montagem é completamente nota 10. Cenários lindos, sem exagero algum, sem as habituais invencionices que, muitas vezes, desnaturam a obra.

    A informação do artigo de que o Werther é retratado no livro de Göethe de terno azul longo e colete amarelo lá está confirmada no figurino do papel título, evidenciando-se, assim, a importância dos detalhes quando se quer conduzir o público às essências e origens da partitura de uma ópera.

    Quanto à performance do Kaufmann, já me considero envolvida demais para fazer uma crítica insuspeita. Acho ele o máximo! Penso que há de ficar na história da ópera como o melhor tenor do século XXI.

    Esta montagem essencialmente francesa ocorrida no Opéra Bastille de 2010 sugeriu-me o paralelo entre Massenet e Wagner já enfocado em estudos sobre os dois autores. O leitmotiv wagneriano está presente em Werther.

    Oscar, Hnerique, que tal aprofundarmos estudos e escrever sobre isto, tomando Werther e Tristão e Isolda como peças em que tal paralelo talvez melhor se materialize?

    Abraços.
    Comba

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