Por
Comba
Marques Porto e
Henrique
Marques Porto
Neste final de primavera, a ópera “Fausto”, de
Charles Gounod (1818-1893) chega ao público do Rio por iniciativas opostas em
grandeza, mas não menos significativas. No próximo dia 10/12, esta ópera será
exibida em alguns cinemas da Zona Sul, em transmissão direta do MET, de Nova
York. Em novembro, tivemos apresentações do “Fausto” pela Cia Lírica, em forma
reduzida e acompanhamento de piano, no Centro Cultural da Justiça Federal.
A Companhia propõe-se a apresentar títulos de ópera
de aceitação popular, investindo, ao mesmo tempo, no aperfeiçoamento dos jovens
cantores que a integram e acalentam o sonho de crescer na cena lírica. O
papel-título ficou a encargo do tenor Ivan Jorgensen, revelando bonito timbre e
segurança nos agudos. Do conjunto da apresentação, percebe-se que os jovens
solistas estão em processo de formação e, portanto, muitos desafios ainda
precisam superar para dar conta com profissionalismo e beleza da completude artística
demandada pelo gênero. Mas é visível que as dificuldades, inclusive dos
recursos disponíveis, não abalam o amor do grupo pela ópera e a força deste
vínculo resulta no êxito de nos ter oferecido até agora uma temporada superior
em títulos e récitas a que segue em curso no Theatro Municipal. Em 2011, a Cia
Lírica já apresentou “Attila” (Verdi), “M. Butterfly” (Puccini), “La Traviata”
(Verdi), “Il Tabarro” (Puccini), o “Fausto” e ainda vai encenar “O Amor das
Três Laranjas”, de Prokofiev.
Fausto, de Charles Gounod, pela Cia Lírica |
É bem verdade que a responsabilidade do nosso maior
teatro de ópera não se compara à de uma jovem companhia lírica, particularmente
no que diz respeito a cenários, figurinos e direção de cena, talvez os mais
delicados elementos a serem observados na montagem de óperas. As concepções
cênicas podem expandir a proposta de libreto e partitura, como também podem
encobrí-la ou mesmo desnaturá-la. Na década de 80, Fernando Bicudo, à frente da
direção artística no TM, teve bom êxito com a apresentação de óperas em forma
de concerto, o que reduz custos sem afetar o bom resultado da execução. Os bons
artistas de ópera (não basta ser cantor) acabam “encenando” no curto espaço à
frente da orquestra, podendo levar o público à emoção e à visualização do
efeito dramático ou cômico do que se representa. Como exemplo, tivemos sob a
direção de Bicudo as memoráveis apresentações de “Andrea Chenier” (Giordano),
com Aprile Millo em Madalena de Coigny e de “Ballo in Maschera”(Verdi) com o
saudoso Fernando Teixeira no papel de Renato
e o legendário Carlo Bergonzi em Ricardo.
Eram ainda os bons tempos do Theatro Municipal.
Projetos como o da Cia Lírica fazem pensar sobre a
realidade da ópera no Rio de Janeiro. São prova de que a ópera ainda sobrevive
na cidade e não precisa ficar restrita ao nível das grandes produções, aliás,
cada vez mais banidas dos projetos de gestão cultural do Estado e do Município.
É necessário e sempre oportuno recordar que a
cidade do Rio de Janeiro guarda sólida tradição de montagens de óperas. Os
palcos dos nossos teatros já se equipararam aos dos mais importantes centros de
difusão do gênero no mundo. Há registros de produções contínuas por todo o
século XIX, com as temporadas na “Casa da Ópera”, no “Teatro São João” (até
1824, quando veio a ser destruído por incêndio) e, a partir de 1825, no “Teatro
São Pedro”, na Praça Tiradentes, vivo até hoje como “Teatro João Caetano”. Já
no século XX, a produção de óperas deslocou-se da Praça Tiradentes para a
Cinelândia, concentrando-se no Teatro Lírico (inaugurado em 1904 e demolido em
1934) e depois no Theatro Municipal a partir de sua inauguração em 1909.
Uma consulta rápida sobre a história da ópera no Rio comprova que a atividade já era bastante sólida muito antes da construção do Theatro Municipal. Basta lembrar que a primeira cantora lírica brasileira a fazer sucesso no exterior, a catarinense Malvina Pereira – nome desconhecido do público e divulgado aqui no blog – estreou em 1901 e jamais se apresentou no Municipal, embora tenha cantado e até gravado no Rio com um grande da música - o tenor italiano Giovanni Zenatello. Quando o TM foi inaugurado em 1909, ela já fazia carreira na Europa e EUA, e não voltou para o Brasil. Carreiras como a de Malvina Pereira eram possíveis porque a ópera não acontecia apenas nos grandes teatros. Grupos diversos montavam óperas e recitais também nos pequenos auditórios, em associações culturais e até em clubes sociais. Era uma prática incorporada à vida cultural da cidade que convivia com a vinda, todos os anos, de grandes elencos internacionais e que prevaleceu mesmo depois da inauguração do Theatro Municipal.
Uma consulta rápida sobre a história da ópera no Rio comprova que a atividade já era bastante sólida muito antes da construção do Theatro Municipal. Basta lembrar que a primeira cantora lírica brasileira a fazer sucesso no exterior, a catarinense Malvina Pereira – nome desconhecido do público e divulgado aqui no blog – estreou em 1901 e jamais se apresentou no Municipal, embora tenha cantado e até gravado no Rio com um grande da música - o tenor italiano Giovanni Zenatello. Quando o TM foi inaugurado em 1909, ela já fazia carreira na Europa e EUA, e não voltou para o Brasil. Carreiras como a de Malvina Pereira eram possíveis porque a ópera não acontecia apenas nos grandes teatros. Grupos diversos montavam óperas e recitais também nos pequenos auditórios, em associações culturais e até em clubes sociais. Era uma prática incorporada à vida cultural da cidade que convivia com a vinda, todos os anos, de grandes elencos internacionais e que prevaleceu mesmo depois da inauguração do Theatro Municipal.
Lauri-Volpi: popularidade feita no Rio de Janeiro |
O resultado foi a formação no Rio de um público não
apenas numeroso, mas musicalmente muito bem educado e, por isso mesmo, também
muito exigente. O público carioca impunha respeito e era temido por todas as
companhias líricas, inclusive pelas grandes estrelas internacionais da ópera.
Em 1937, Giacomo Lauri-Volpi, na sua última passagem pela cidade (a primeira
foi em 1922), declarou em entrevista a um jornal:
“-Quando vim ao Brasil pela primeira vez tinha
apenas três meses de palco. A minha popularidade foi feita no Rio, é filha
desta cidade que não esquecerei jamais”.
De fato, fazer sucesso no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Buenos Aires era como passar por uma prova de fogo para qualquer cantor ou cantora, e passaporte para cantar diante de qualquer platéia do mundo.
Violeta Coelho Neto: estréia em clube da zona norte do Rio. |
Mas não era apenas o palco do Theatro Municipal que
revelava ou tornava famosos grandes cantores. Em 1936, por exemplo, estreou na
ópera aquela que para muitos foi a maior cantora lírica brasileira do século
20, Violeta Coelho Neto de Freitas. Violeta não fez carreira internacional por
que não quis. Não faltaram convites depois de seu recital no Carnegie Hall em
1947. Pois, Violeta Coelho Neto estreou cantando a Cavaleria Rusticana
no Tijuca Tênis Clube, no bairro da Tijuca, zona norte do Rio! Cantou no
ginásio do clube, em palco improvisado. Infelizmente, não existem registros
dessa estréia. No ano seguinte estreou no Theatro Municipal, em Madame
Butterfly, convidada por Gabriela Besanzoni que naquela época organizou as
primeiras temporadas líricas apenas com cantores brasileiros. A partir daí, e
até os anos 60, passamos a ter duas temporadas líricas – uma internacional,
outra nacional. Os que se destacavam nas temporadas nacionais eram
chamados para integrar os elencos que vinham do exterior.
(continua)
Violeta Coelho Neto de Freitas
"Voi lo sapete, o mamma" - Cavaleria Rusticana
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