sexta-feira, 2 de dezembro de 2011





Por
Comba Marques Porto e
Henrique Marques Porto
 
Neste final de primavera, a ópera “Fausto”, de Charles Gounod (1818-1893) chega ao público do Rio por iniciativas opostas em grandeza, mas não menos significativas. No próximo dia 10/12, esta ópera será exibida em alguns cinemas da Zona Sul, em transmissão direta do MET, de Nova York. Em novembro, tivemos apresentações do “Fausto” pela Cia Lírica, em forma reduzida e acompanhamento de piano, no Centro Cultural da Justiça Federal. 

A Companhia propõe-se a apresentar títulos de ópera de aceitação popular, investindo, ao mesmo tempo, no aperfeiçoamento dos jovens cantores que a integram e acalentam o sonho de crescer na cena lírica. O papel-título ficou a encargo do tenor Ivan Jorgensen, revelando bonito timbre e segurança nos agudos. Do conjunto da apresentação, percebe-se que os jovens solistas estão em processo de formação e, portanto, muitos desafios ainda precisam superar para dar conta com profissionalismo e beleza da completude artística demandada pelo gênero. Mas é visível que as dificuldades, inclusive dos recursos disponíveis, não abalam o amor do grupo pela ópera e a força deste vínculo resulta no êxito de nos ter oferecido até agora uma temporada superior em títulos e récitas a que segue em curso no Theatro Municipal. Em 2011, a Cia Lírica já apresentou “Attila” (Verdi), “M. Butterfly” (Puccini), “La Traviata” (Verdi), “Il Tabarro” (Puccini), o “Fausto” e ainda vai encenar “O Amor das Três Laranjas”, de Prokofiev. 

Fausto, de Charles Gounod, pela Cia Lírica

É bem verdade que a responsabilidade do nosso maior teatro de ópera não se compara à de uma jovem companhia lírica, particularmente no que diz respeito a cenários, figurinos e direção de cena, talvez os mais delicados elementos a serem observados na montagem de óperas. As concepções cênicas podem expandir a proposta de libreto e partitura, como também podem encobrí-la ou mesmo desnaturá-la. Na década de 80, Fernando Bicudo, à frente da direção artística no TM, teve bom êxito com a apresentação de óperas em forma de concerto, o que reduz custos sem afetar o bom resultado da execução. Os bons artistas de ópera (não basta ser cantor) acabam “encenando” no curto espaço à frente da orquestra, podendo levar o público à emoção e à visualização do efeito dramático ou cômico do que se representa. Como exemplo, tivemos sob a direção de Bicudo as memoráveis apresentações de “Andrea Chenier” (Giordano), com Aprile Millo em Madalena de Coigny e de “Ballo in Maschera”(Verdi) com o saudoso Fernando Teixeira no papel de Renato e o legendário Carlo Bergonzi em Ricardo. Eram ainda os bons tempos do Theatro Municipal. 
  
Projetos como o da Cia Lírica fazem pensar sobre a realidade da ópera no Rio de Janeiro. São prova de que a ópera ainda sobrevive na cidade e não precisa ficar restrita ao nível das grandes produções, aliás, cada vez mais banidas dos projetos de gestão cultural do Estado e do Município. 

É necessário e sempre oportuno recordar que a cidade do Rio de Janeiro guarda sólida tradição de montagens de óperas. Os palcos dos nossos teatros já se equipararam aos dos mais importantes centros de difusão do gênero no mundo. Há registros de produções contínuas por todo o século XIX, com as temporadas na “Casa da Ópera”, no “Teatro São João” (até 1824, quando veio a ser destruído por incêndio) e, a partir de 1825, no “Teatro São Pedro”, na Praça Tiradentes, vivo até hoje como “Teatro João Caetano”. Já no século XX, a produção de óperas deslocou-se da Praça Tiradentes para a Cinelândia, concentrando-se no Teatro Lírico (inaugurado em 1904 e demolido em 1934) e depois no Theatro Municipal a partir de sua inauguração em 1909. 


    Uma consulta rápida sobre a história da ópera no Rio comprova que a atividade já era bastante sólida muito antes da construção do Theatro Municipal. Basta lembrar que a primeira cantora lírica brasileira a fazer sucesso no exterior, a catarinense Malvina Pereira – nome desconhecido do público e divulgado aqui no blog – estreou em 1901 e jamais se apresentou no Municipal, embora tenha cantado e até gravado no Rio com um grande da música - o tenor italiano Giovanni Zenatello. Quando o TM foi inaugurado em 1909, ela já fazia carreira na Europa e EUA, e não voltou para o Brasil. Carreiras como a de Malvina Pereira eram possíveis porque a ópera não acontecia apenas nos grandes teatros. Grupos diversos montavam óperas e recitais também nos pequenos auditórios, em associações culturais e até em clubes sociais. Era uma prática incorporada à vida cultural da cidade que convivia com a vinda, todos os anos, de grandes elencos internacionais e que prevaleceu mesmo depois da inauguração do Theatro Municipal. 

Lauri-Volpi: popularidade 
feita no Rio de Janeiro
O resultado foi a formação no Rio de um público não apenas numeroso, mas musicalmente muito bem educado e, por isso mesmo, também muito exigente. O público carioca impunha respeito e era temido por todas as companhias líricas, inclusive pelas grandes estrelas internacionais da ópera. Em 1937, Giacomo Lauri-Volpi, na sua última passagem pela cidade (a primeira foi em 1922), declarou em entrevista a um jornal:
-Quando vim ao Brasil pela primeira vez tinha apenas três meses de palco. A minha popularidade foi feita no Rio, é filha desta cidade que não esquecerei jamais”.



De fato, fazer sucesso no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Buenos Aires era como passar por uma prova de fogo para qualquer cantor ou cantora, e passaporte para cantar diante de qualquer platéia do mundo. 


Violeta Coelho Neto: estréia em clube
da zona norte do Rio.
Mas não era apenas o palco do Theatro Municipal que revelava ou tornava famosos grandes cantores. Em 1936, por exemplo, estreou na ópera aquela que para muitos foi a maior cantora lírica brasileira do século 20, Violeta Coelho Neto de Freitas. Violeta não fez carreira internacional por que não quis. Não faltaram convites depois de seu recital no Carnegie Hall em 1947. Pois, Violeta Coelho Neto estreou cantando a Cavaleria Rusticana no Tijuca Tênis Clube, no bairro da Tijuca, zona norte do Rio! Cantou no ginásio do clube, em palco improvisado. Infelizmente, não existem registros dessa estréia. No ano seguinte estreou no Theatro Municipal, em Madame Butterfly, convidada por Gabriela Besanzoni que naquela época organizou as primeiras temporadas líricas apenas com cantores brasileiros. A partir daí, e até os anos 60, passamos a ter duas temporadas líricas – uma internacional, outra nacional.  Os que se destacavam nas temporadas nacionais eram chamados para integrar os elencos que vinham do exterior.  
(continua)

Violeta Coelho Neto de Freitas
"Voi lo sapete, o mamma" - Cavaleria Rusticana 


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