As Bodas de Fígaro
Récita de 22 de novembro de 2015
Fígaro
.......................... Felipe
Oliveira
Susana
.............................. Carla Cottini
Conde de Almaviva ......
Manuel Alvarez
Condessa ...................... Marina Considera
Cherubino
........................ Malena Dayen
Bartolo
............................. Savio Sperandio
Marcelina
....................... Beatriz Pampolha
Basilio
...............................Cleyton Pulzi
Antonio
........................... Frederico de Oliveira
Barbarina
...................... Luiza Lima
Don Curzio
.................... Guilherme Moreira
Regente: Tobias Volkmann
por Henrique
Marques Porto
Bastante feliz a ideia de montar As Bodas de Fígaro, de Mozart, para
encerrar a temporada lírica de 2015 e anunciar a programação de 2016 do Theatro
Municipal do Rio de Janeiro. Mais feliz ainda foi a opção do TMRJ de convocar
elenco nacional e jovens cantores para mostrar ao público carioca essa pérola
de Mozart. Qualquer teatro de ópera sério necessita de elenco e repertório próprios
para só então pensar em voos mais altos, como a contratação de estrelas
internacionais. Temos bons cantores e eles foram chamados. É esse o caminho,
sobretudo para vencer em parte o obstáculo da escassez de recursos financeiros.
João Guilherme Ripper e André Cardoso acertaram em cheio. Mostraram
que é possível produzir espetáculos de qualidade com poucos recursos. Conquistaram
a confiança do público carioca. Mas, há muito ainda por fazer. Eles devem estar
conscientes disso, e de que não podem decepcionar os cariocas.
Le Nozze di
Figaro
é uma ópera que delicia o público -inclusive quem conhece pouco e está começando
a se interessar por ópera- com uma sucessão de inspiradíssimas árias, duetos,
tercetos, sextetos, ensembles. Até quem nunca ouviu As Bodas de Fígaro se surpreende ao reconhecer árias e temas
musicais. "Questa poi la conosco
purtroppo..." -deve ter pensado alguém na vesperal
de domingo, repetindo a brincadeira feita pelo próprio Mozart, que incluiu uma
citação das Bodas na cena final do Don Giovanni, sua composição seguinte.
As Bodas de Fígaro é uma
comédia que Mozart controla de forma genial. Não deixa que a ópera descambe
para a bufonaria e coloca freios em quaisquer intenções caricatas. Inclui passagens
românticas, como em “Dove sono”, ária
da Condessa, e até dramáticas como em
Hai già vinta la causa, ária de Almaviva, cujo clima antecipa o Don Giovanni. Graça, sim; comicidade exagerada, jamais.
Aqui, cabe um comentário. Montar Mozart não é
da tradição do público, dos regentes e dos cantores brasileiros. Nossa formação
musical, desde o século dezoito, recebeu forte influência da ópera italiana e gerou
um gosto especial por esse repertório. Mozart, que também compunha “ópera italiana”
sempre esteve pouco presente nas programações ao longo do tempo, desde a “Casa
da Ópera”, do empresário Boaventura Dias Lopes, dos tempos d’antanho –existiram
duas Casas da Ópera, a primeira delas chamada “Ópera Velha”, teatro construído
pouco antes de 1748. Mozart aparece em 1821, no Teatro São João, com o Don Giovanni.
Uma geração inteira de ótimos cantores
brasileiros, formados a partir dos anos 1930, dedicaram-se pouco ou quase nada
a Mozart. Um desperdício, se pensarmos em vozes como as de Violeta Coelho Netto
de Freitas, Ida Micollis, Aracy Bellas Campos, Clara Marise ou Leda Coelho de
Freitas, para ficarmos apenas em poucos exemplos de vozes femininas. No centro
do nosso repertório tradicionalmente reinam Verdi, Puccini e Rossini. De modo
algum é um “defeito”, como alguns críticos já chegaram a apontar. É expressão
da nossa formação cultural, um processo dinâmico e sempre em evolução. Atualmente,
o público sente a falta de compositores como Mozart, Wagner, Strauss e outros.
O problema é que ficamos tanto tempo sem óperas que títulos tradicionais como Andrea Chénier, La Gioconda e até La Traviata
serão certamente novidades absolutas para o público, principalmente para os
jovens, que ontem alegravam a plateia e os balcões para receber Mozart.
Os solistas de As Bodas de Fígaro são, em sua maioria, cantores jovens e que estão
ainda no início de suas carreiras. A eles junta-se o maestro Tobias Volkmann, ainda em início na direção de óperas.
O espetáculo
Casa cheia na primeira vesperal da temporada
de As Bodas de Fígaro, que ficará em
cartaz até o dia 29 de novembro. Já
na conhecida abertura da ópera podemos tomar o pulso do espetáculo, em peça de
execução difícil, cujo primeiro desafio fica a cargo dos arcos, naquele esvoaçar
de notas rápidas e sorridentes que anunciam a comédia. Na tarde de ontem, um
primeiro destaque foi, sem dúvida, para a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal,
que se saiu magnificamente bem nas delicadezas e sutilidades da música de Mozart,
com o mérito de manter a qualidade ao longo de toda a ópera. Uma prova de que a
Orquestra da casa deve ser valorizada. Ela e o Coro são a alma do velho teatro.
Seu lugar não é apenas no fosso, mas no palco. A propósito, é a Orquestra e o
Coro do TM que abrirão a Temporada de 2016 com a Missa Solemnis, de Beethoven.
Tobias Volkmann foi regente atento, de
gestual vibrante, mas sem afetações ou exageros. Abrigou-se na segurança de uma
leitura clássica da partitura, o que foi boa e prudente opção. A aparente
simplicidade da música de Mozart pode ser perigosa para os regentes e intérpretes,
principalmente para os que estão iniciando suas carreiras.
Entre os solistas, o público se encarregou de
apontar os destaques da tarde/noite de ontem com a distribuição dos aplausos. Marina Considera, a Condessa, foi muito festejada. Bela voz,
belo porte e ótima presença em cena. A ela se juntaram, no gosto do público, o
ótimo Don Bartolo, de Savio Sperandio, a Susana, de Carla Cottini,
o Almaviva, do mais experiente Manuel Alvarez, o Basilio, de Cleyton Pulzi, e o Cherubino, de Malena Dayen. O Fígaro de
Felipe Oliveira também agradou,
ainda que tenha demonstrado alguma timidez no início da ópera e revelado incômoda
insegurança nos agudos, circunstância que não deve ter passado despercebida do público. Mas
prevaleceu o conjunto, no qual ele se encaixou perfeitamente. Uma das graças de
As Bodas de Fígaro é que não há um protagonista
com maior destaque. O conjunto e o equilíbrio entre as vozes é o mais importante. Mozart parece indicar isso com precisão no final da ópera, com todos os personagens em ensemble substituindo o coro, numa das mais belas passagens de todo o repertório operístico.
Atuações corretas e
eficientes de Beatriz
Pampolha, Frederico de Oliveira, Luiza Lima e Guilherme Moreira.
Cenários simples, bonitos e muito bem
concebidos e realizados por Nicolás Boni. A produção vem do Teatro São Pedro. A
concepção tem o mérito adicional de acolher bem as vozes (algumas de pequeno
volume), fechando as áreas de escape do som. O palco do Municipal do Rio
continua sem ciclorama, inexplicavelmente retirado nos anos 1980. A nova
direção do TM precisa fazer um esforço para recolocar o equipamento.
Direção cênica inteligente de Livia Sabag, com
marcações descomplicadas e eficientes. Sabag entendeu muito bem as intenções de
Mozart. E não é nada fácil dirigir a movimentação e o entra-e-sai constante de elenco numeroso.
Que essa
Le nozze di Figaro traga bons presságios para a recuperação do Theatro
Municipal e o futuro da ópera no Rio. Portanto, bem vindo Mozart! Que volte sempre.
Henrique, filho de peixe peixinho é! :)
ResponderExcluirSua ótima matéria nos dá a esperança que dias melhores virão para a ópera no Brasil e em especial no Rio de Janeiro. Parabéns! Bjo.
Helô,
ExcluirEssa ópera é uma delícia e se ver. Tão bom ver um elenco inteiramente nacional sair-se bem numa ópera tão difícil. O danado do Mozart vem com música que parece simples, mas que é repleta de exigências, tanto para os solistas como para a orquestra. O clima no TM está bom. Temos muita chance de recuperar o tempo perdido nos últimos anos.
Beijão
Henrique
Henrique, parabéns pela matéria que traduz de modo preciso tanto a obra de Mozart quanto a montagem em cartaz no TMRJ. Bjs
ResponderExcluirHenrique,
ResponderExcluirSeu comentário, tanto sobre o espetáculo em si, quanto sobre o lugar dos não-italianos no gosto musical operístico carioca (nacional?), só fez aumentar a minha "água na boca" por não ter podido assistir a essa montagem das 'Bodas". Bravo!
Reinaldo,
ExcluirO gosto pelo melodrama italiano é nacional. Ainda predomina, mas está modificando. Começou a se desenvolver no Rio, principalmente a partir da chegada da corte portuguesa. O João VI abriu as burras reais para a construção de um teatro (acho que Real Teatro de Ópera), que ninguém sabe onde ficava exatamente, nem como era a construção. Sabe-se apenas que ficava nos arredores do Largo do Paço.
Abração
Henrique
Olá Henrique, só pequenos errinhos nos nomes do pessoal.
ResponderExcluirAo invés de Silvia Sabag, é Lívia Sabag.
Ao invés de Tobias Wolkmann, é Tobias Volkmann
Ao invés de Clayton, é Cleyton Pulzi
Obrigado pela ajuda.
ExcluirJá fiz as correções e aproveitei para citar o Cleyton Pulzi ao lado dos solistas principais.
Se achar algum outro erro me avise, por favor. Escrevi no impulso e isso sempre deixa alguma sujeira no texto. O pior revisor é o próprio autor, que não raro corrige o que está certo e ratifica os erros.
Abraço
Henrique