(Aparício Torelli, o Barão de Itararé)
por Henrique Marques Porto
É uma tarefa ingrata tentar transmitir ao leitor boas notícias se o assunto é o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Quando se esperava que a presença do maestro Isaac Karabitchevsky como responsável pela programação do Theatro Municipal trouxesse algum alento para a ópera no Rio de Janeiro, o meio musical carioca foi surpreendido na semana passada com a insólita notícia de que o respeitado regente está no interior da Itália selecionando “estudantes de canto” na instituição Cantare l’ Opera para serem os solistas principais de uma suposta temporada lírica em 2014. Escrevo no condicional porque a direção do Theatro Municipal não fez nenhum anúncio oficial a respeito da mencionada temporada, muito menos sobre suas incursões na Itália em busca de solistas. Os títulos escolhidos para 2014, inclusive com as datas, foram informados, em primeira mão, pelo site do Cantare l’ Opera. O leitor acha estranho? Tudo é estranho e misterioso no Theatro Municipal.
Link abaixo.
Hoje, dia 24/06, o TM anunciou que haverá também audições no Rio, para cantores brasileiros. Curiosamente, o anúncio apareceu depois que a notícia das audições na Itália circulou como denúncia nas redes sociais.
O aparente desprezo pelo estímulo e pela formação de cantores brasileiros foi como uma bofetada em tantos jovens que com muito esforço tentam construir suas carreiras no Rio de Janeiro e em todo o Brasil. Se a iniciativa de buscar na Itália o que já temos aqui fosse da autoria de um neófito, um desses que nada sabem sobre a realidade musical brasileira -ou sabem e dão de ombros- a trapalhada estaria explicada. Mas partindo de Isaac Karabitchevsky, ela é imperdoável. Logo ele, que dirige um projeto de formação musical para jovens em São Paulo.
Essa linha de atuação indica com alguma clareza que o maestro abriu mão de iniciar o processo de reconstrução artística do Theatro e aceitou a função menor de mero “programador” de temporadas. Esperava-se muito mais dele.
Por outro lado, um teatro de ópera bem conduzido não precisa de audições -aqui, na Itália ou na Conchinchina. A "direção artística" do TMRJ, cuja responsabilidade já não se sabe mais de quem é, tem a obrigação de conhecer a realidade da ópera no Brasil e quem são os nossos bons solistas. Está claro, portanto, que não estão fazendo o dever de casa.
Para reconstruir artisticamente o Theatro Municipal –desmontado nos últimos anos- são indispensáveis algumas iniciativas que podem ser traduzidas em três linhas principais:
1) Recuperação e fortalecimento, inclusive funcional, dos Corpos Estáveis –Coro, Orquestra e Balé. Um primeiro passo já foi dado -a realização de concurso público, uma conquista dos artistas depois de anos de luta.
2) Reunir um elenco de solistas brasileiros capazes de dar conta, pelo menos, do repertório tradicional. Isso não se faz com audições, mas observando o cenário musical. Existem bons solistas atuando aqui mesmo no Rio, e que já receberam os aplausos do público no próprio Theatro Municipal. A este grupo se juntariam solistas internacionais, de acordo com as possibilidades do mercado e a disponibilidade de recursos.
3) Recuperar o repertório perdido nas últimas décadas e enriquecê-lo com títulos novos, coisa que não se faz em um ano ou numa única temporada.
A estas ações poderiam ser somadas outras duas: 1) Reconstruir a Escola de Canto do Theatro Municipal; e 2) Recriar a Orquestra Jovem do TM.
Ao invés de tentar construir para o futuro, por este caminho indicado ou outro, lá estão os gestores do TM em Riva del Garda, às margens do Lago de Garda, uma bela província de Trento, na Itália, arregimentando jovens solistas para Carmem, Wozzeck, Salomé e A Flauta Mágica (repertório levezinho, propício para jovens iniciantes, diria o Amigo da Onça) com previsão de serem montadas entre março e novembro de 2014.
Enquanto isso, no Rio e outras cidades, a população sai às ruas protestando contra os governos e a má administração pública. Mas, a ópera e a música não são prioridades dos manifestantes. Para sorte dos administradores do Theatro Municipal.
Sinto discrepar, mas audição se faz em qualquer teatro do mundo. É a única maneira democrática de dar oportunidade a todos e de valorar as capacidades atualizadas dos cantores.
ResponderExcluirAudição sim, e sempre.
Audição sim Claudio, mas que comece então no Brasil, não na Itália.
ResponderExcluirMatéria oportuna, Henrique. Concordo com o Anônimo aí de cima. O problema não é a audição em si e, sim, o fato de começar no estrangeiro, como se estivéssemos em tempo do descobrimento do Brasil.
ResponderExcluirSe recorremos às pesquisas sobre a história da ópera no Rio de Janeiro, nos deparamos com uma continuidade produtiva que une os séculos XVIII, XIX e XX (sem precisar ir mais longe), chegando até a metade deste último, o XX, com a constituição de um time de bons cantores líricos ainda que integrado por estrangeiros que aqui acabaram ficando, em quantidade e capacidade para dar conta de variado repertório operístico. O esforço de reconstituição das perdas ocorridas com o fim das grandes temporadas líricas (anos 70/80) deve ser valorizado, a exemplo do que foi a gestão de Fernando Bicudo no Municipal, ao fim da década de 80.
Hoje, com o crescente interesse pela ópera, sobretudo vindo de jovens que se dedicam ao estudo de canto, justíssimo seria que a administração do Municipal viesse a priorizar estes artistas, não numa perspectiva excludente, é claro. Não se trata de uma visão nacionalista exacerbada, pois isto não é mais próprio do mundo em que vivemos. O que estranha é exatamente começar a audição para selecionar cantores líricos estrangeiros. Isto, sem dúvida, repercute como um desprestígio aos artistas que aqui se dedicam à ópera. A iniciativa é evidentemente lamentável. Incrível como a administração do Municipal não acerta uma!!!
Lamentável isso...infelizmente me parece que todo o dinheiro e tempo que nós cantores investimos para tentar sermos dignos no nosso trabalho nesse nosso País tem valido muito pouco...
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