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René Pape, Jonas Kauffmann e Katarina Dalayman |
por Ildefonso
Côrtes
Semana que precede à estreia de Parsifal, em tempo real, Nova York, temporada 2013, Metropolitan Opera House, uns dos templos da ópera no mundo.
Em casa, revivo cenas gravadas no Festival de Bayreuth, Siegfried Jerusalem, Parcifal. No templo wagneriano, na cidadezinha alemã de Bayreuth, o teatro construído pelo Rei Ludwig II, da Baviera para acolher, todos os anos, representações das óperas de Richard Wagner (1813-1883), de quem o monarca era admirador apaixonado e mecenas.
A encenação contava com Orchester und Chor der Bayreuther Festspiele regidos por Horst Stein e Norbert Balastch, respectivamente.
Não sei se à época respeitava-se o desejo de Wagner de que os espectadores se abstivessem de aplausos entre primeiro, segundo e terceiro atos, a fim de não dissipar o clima de encantamento místico, o caráter de unção religiosa, que a música transcendente criava na audiência. (Continua)
Além do caráter de Gesamtkunstwerke (obra de arte total), onde a poesia do libreto, a música, a cena, tudo concebido por ele, se fundiriam numa peça monolítica, una, com a criação da música infinita em que um tema se desdobra em outro e assim sucessivamente, num moto perpétuo e contínuo. A orquestra submersa abaixo do palco, outra criação wagneriana, impedia que a atenção do espectador se dispersasse, levando-a a focar o palco exclusivamente, onde o desenrolar mágico do drama acontecia.
Dizia eu, jocosamente, que a expectativa do sábado, 02 de março de 2013, me impunha jejum eucarístico e retiro espiritual, lembranças da adolescência no Colégio Marista São José. Estaria assim, emocionalmente puro para receber a carga mística da última obra de Wagner, bálsamo musical da mais alta qualidade.
Na realidade, não fui assistir a uma ópera. Ópera tem a marca da paixão humana. Parafraseando a citação que meu pai gostava de fazer, digo: - Ópera é vida que se representa. Vamos ver a vida viver. É a paixão por Carmem que conduz Dom José a desonrar a farda, abandonar a noiva, a mãe, a aldeia natal, consumido pela intensa volúpia do seu desejo. É o desvario cego que arrasta Turiddu da Cavalleria Rusticana, na senda pecaminosa de Lola, cujo marido, enciumado, mata-o em duelo sciliano. Isto é ópera. Parsifal é obra festiva e votiva como disse Wagner. Seu contexto é profundamente religioso. Celebração da Sexta-feira Santa no templo que conservava o cálice sagrado, o Santo Graal que recebeu o sangue de Cristo ferido pela lança na crucificação. A lança e o cálice são guardados como relíquias santas no mosteiro medieval da Espanha.
A paixão divina é Cristo doando o próprio corpo, o próprio sangue. É o dom de si mesmo, para usar a expressão lapidar de San Thiago Dantas. Cristo redimiu a humanidade, expiando nossos pecados. Este também é o legado de Wagner. Um hino de amor, de entrega, de expiação de culpa, obra não de um homem, mas de Deus feito homem para libertar todos os demais da escuridão do pecado e indicar-lhes o caminho da salvação.
O diretor de cena canadense François Gérard tornou a jornada de Parsifal, não apenas um mito medieval, mas uma caminhada humana atemporal. Os cavaleiros trajam apenas calça escura e camisa social branca. É o homem reduzido à sua simplicidade original. No cenário onde astros se encontram na imensidão do horizonte, os homens me remetem aos homens de hoje e aos do futuro como astronautas em “2001: Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrich.
Nem sempre gosto destas modernidades cênicas. Critiquei, acerbamente, a montagem do Regisseur Hannek para um Dom Giovanni moderno que assisti em Paris, onde se salvou apenas a maravilhosa música de Mozart. O “Oscar de Hollywood”, merecidamente, concedeu-lhe o prêmio de melhor direção por “Amour”.
O Metteur en Scene de Parsifal, acertou em cheio com sua visão moderna neste campo onde nem sempre se acerta ao se modernizar montagens.
Um elenco de supertars:
Katarina Dalayman, grande voz wagneriana, interpretou uma feiticeira Kundry, sedutora.
Renne Pape, um magnífico Gunnermanz.
O alemão Jonas Kauffmann, estrela maior do elenco, talvez o melhor tenor de nosso século.
Peter Mattei, sueco, excelente Amfortas.
Orquestra e coro impecáveis nesta comovente interpretação de Parsifal.
Salve os 200 anos de nascimento de Richard Wagner, 1813-2013!
"Anfortas! Die Wunde" - Jonas Kauffmann
Parabéns, Ildefonso por seu artigo que vem bem ao encontro do que penso sobre o Parsifal e, particularmente, sobre a recente montagem do MET que pudemos assistir no cinema.
ResponderExcluirParabéns Henrique, como coordenador do blog "Ópera Sempre", que vai se firmando como um importante espaço editorial virtual destinado à transmissão de conhecimentos sobre a ópera. É mesmo tempo de voltar a atenção para a história da ópera, de seus compositores e intérpretes. Pelo menos aqui no Rio, os cinemas andam lotados, tanto nas transmissões diretas do MET, quanto na apresentação das óperas da temporada do Royal Opera House/Covent Garden. Isto denota certa efervescência do interesse pelo gênero, o que deve se acompanhar de informações, debates que permitam aos interessados aprofundar seus conhecimentos sobre a ópera.
Abraços.