quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Novidades na Gamboa; tudo igual na Cinelândia.




por Julieta Palhares

A edição de O Globo de hoje, domingo, 25 de novembro de 2012, noticia em sua Revista o projeto de recuperação de prédio “no coração da Zona Portuária do Rio” com finalidade de abrigar a Central Técnica de Produções do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O projeto é apresentado pela Presidente Camurati e segundo a matéria, a obra não só atenderá à necessidade de acomodação do acervo do TMRJ como também será um polo de atração turística e uma casa de formação de técnicos em figurinos, cenários, etc. Não parece ser pouca coisa e consta que a obra já vai em ritmo frenético. Ao que se anuncia, o TMRJ passará a ter um Central Técnica de Produções de dar inveja às mais ativas casas de ópera do mundo. 

É isso mesmo? A direção do TMRJ se lança em vultosa empreitada de reconstrução da Central Técnica de Produções, enquanto o palco permanece às escuras para os seus corpos fixos de orquestra, coro e balé!?

 A Presidente Camurati afirma: “quando peguei o teatro, tudo nele estava deteriorado. A recuperação desse núcleo técnico é parte do objetivo que a gestão tem. Não podemos nos preocupar exclusivamente com programação. Isto é uma fundação, mais que um teatro”. (pg. 50, da Revista O Globo).  

Quer dizer que em 2007 a Presidente Camurati “pegou o teatro com tudo deteriorado” e somente agora, na virada para 2013, resolve salvar o que resta de cenários, demais peças cenográficas, figurinos e mais o acervo remanescente do museu outrora instalado no salão Assirius? E esta não teria sido a tarefa do primeiro dia de sua gestão? Sempre é possível fazer o mínimo necessário, independentemente de projetos mirabolantes de vultosos aportes financeiros. (Continua)

Que gestão é essa que descuida da programação artística e dos corpos artísticos estáveis e, de repente, se dá conta de que o acervo está entregue às traças e aos cupins? 

Para quem acompanha a vida do TMRJ por simples amor à arte e à casa, a notícia causa perplexidade em vez de alegria. Mais uma grande obra, agora para acolher o acervo deteriorado por anos de displicência da administração. Como é triste identificar a velha conduta da administração pública: deixa-se tudo cair de podre para depois anunciar um milionário projeto de reconstrução, para trazer para os agentes envolvidos a fama de grandes empreendedores. 

A matéria menciona as “preciosidades” que estarão expostas na anunciada “fábrica de espetáculos” prevista, segundo se informa, para começar a funcionar em 2014. Quer dizer que a Presidente finalmente está sensibilizada com o estado de abandono do histórico acervo do TMRJ e não quer mais ver as suas “preciosidades” “encafifadas em um museu”. Vamos combinar que eu acredito e que a partir de 2014, passaremos a ter uma espetacular Central Técnica de Produções em apoio a uma bela temporada lírica. Quem sabe assistiremos o Jonas Kaufmann cantando com a orquestra e o coro do Municipal?

Por fim, na referida matéria, mais uma vez o desabamento dos prédios vizinhos ao teatro é apontado como causa da programação pífia de 2012. A Presidente já não fala mais nos concursos reivindicados pelos corpos estáveis da casa. É de se imaginar que também não teremos temporada em 2013, pois a direção do TMRJ estará com sua atenção voltada para as engenharias do novo projeto. Muita engenharia para pouca arte. 

A reportagem compara o que se vê em Inhaúma com os barracões das escolas de samba. Mas há uma enorme diferença: no que vai chegando o Carnaval, os barracões transformam-se em vivas fábricas de folia– eles servem ao Carnaval e só pelo Carnaval existem. Esta deveria ser a concepção primordial para um teatro de música, ópera e balé do quilate do Municipal: ter uma Central Técnica de Produção a serviço de sua finalidade principal, qual seja, produzir boas temporadas com a mobilização de seus corpos estáveis, presumindo-se que estes sejam respeitados em seus direitos laborais e destinatários do carinho e do cuidado que aos artistas se impõe. Tudo mais – cursos para formação de profissionais técnicos, exposições de acervo, atração turística, viria como resultado da pujança da programação, como desdobramento da boa produção artística que se leve ao público. 

E já que se falou de Carnaval, vejo o Theatro Municipal mais como uma alegoria solitária plantada na Cinelândia, a partir de agora, a espera do fim da mega obra com feição de carro abre-alas do carnaval em que se enrosca a sua administração. 

3 comentários:

  1. Dona Julieta,
    Bem vinda ao Opera Sempre. Como antiga frequentadora do Theatro Municipal e testemunha das grandes temporadas do passado, a sua contribuição tem enorme e especial valor para todos nós.
    A matéria de "O Globo" é espantosa por várias razões. Uma delas é que o anúncio de um investimento tão alto (75 milhões!) foi estranhamente anunciado na véspera do dia em que o Governador do Estado convida a população para defender precisamente a saúde financeira do Governo, ameaçado de ficar sem orçamento para setores básicos da administração. Pelo visto, a Secretária de Cultura e a presidente da FTMRJ não foram devidamente orientadas. Ou foram e decidiram agir por conta própria.
    Esperemos que o bom senso prevaleça e que o Theatro Municipal, que pertence a todos nós, saia do caos em que se encontra.
    Afetuoso abraço,
    Henrique Marques Porto

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  2. Muito agradecida, Sr. Henrique, pela oportunidade que me foi dada de publicar em seu periódico virtual. Como lhe narrei, tive muitos momentos de êxtase com a música e, particularmente, com a ópera no Municipal.
    Preciso aclarar um aspecto abordado em meu texto. Invoco o respeito aos direitos laborais dos artistas e isto não significa um demérito quanto aos direitos laborais do corpo técnico. Do solista ao moço que bate pregos nos bastidores, todos são essenciais ao resultado artístico de um teatro.
    Tento me manter informada sobre o que acontece no Brasil. Sei que há uma tendência a substituir relações de trabalho mais sólidas por relações eventuais. Direitos sociais são tidos como coisa do passado, como um empecilho ao desenvolvimento.
    A vida longa nos traz alegrias e também decepções.
    Na parte final da matéria que motivou meu artigo há referência a um cenógrafo, formado nas artes do Carnaval, hoje a serviço da Fundação TMRJ. Diz a matéria: " Ele trabalha como freelancer para o Municipal, expediente fartamente utilizado pelo teatro." Como assim? Pelo que sei, o TMRJ é um ente público. Como pode estar se valendo "fartamente" do trabalho autônomo? O Theatro sempre teve corpos estáveis e não só na área artística. Logo ao chegar para assistir as récitas, éramos cumprimentados pelos porteiros que já nos conheciam e, sem exagero, alguns também conheciam e amavam a ópera. A frase contida na matéria é preocupante. Não quero abusar do espaço que me foi gentilmente cedido, Sr. Henrique. Mas, por intuição ou por experiência de vida, algo me diz que no Municipal os direitos dos que trabalham vêm sendo tão maltratados quanto os figurinos expostos aos ratos em Inhaúma.
    Parabéns por seu trabalho em defesa da arte e da ópera, essa paixão que move nossas vidas.
    Um forte abraço
    Julieta Palhares

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  3. O grande e imperdoável êrro do Governo do Estado, foi nomear Carla Camurati para dirigir um theatro eminentemente feito para musica erudita, Voltada para o cinema, pretendeu transformar o Theatro |Municipal numa casa de variedades. Foi expandindo sua pretenção até que
    deu o golpe final em degolar a ópera. O publico custou a reagir. Nada entende de música. Não tinha mesmo qualificação para tal.Eis o resultado imperdoável do Governo Sérgio Cabral. O
    teatro declinou. Em São Paulo, Manaus e Belo H orizonte a ópera continua vive e apreciada.
    Precisamos de uma Lei que seja obrigatório um curriculum com graduação em musica ou mesmo um
    cantor (a) lirico que domine o repertório.

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