por Henrique Marques Porto
Sylvio Vieira |
O paulista Sylvio Vieira iniciou a carreira no então fervilhante teatro de variedades do Rio de Janeiro, atuando em operetas, comédias musicais e revistas. Mas logo dedicou-se também à ópera. Em 1921 estreou no “Faust”, de Gounod, no Teatro São José, em São Paulo. Por algum tempo cultivou os dois gêneros. Gravou algumas canções populares –valsas, modinhas e até sambas. Jamais deixou de cultivar o nosso rico cancioneiro popular.
Em 1924, depois de cantar “La Bohéme” no Municipal do Rio com o elenco da companhia de Walter Mocchi, ouviu a seguinte observação de Mario Sammarco, o grande barítono italiano: “-Peccato! Questo é um tenore que s’esbaglia a cantare da barítono!!!”
Outros nomes respeitáveis, como o maestro Vincenzo Bellezza, fizeram a mesma observação e Sylvio empolgou-se com a possibilidade e até conseguiu uma bolsa para se aperfeiçoar na Itália, mas foi prudente: “-Não é uma resolução, antes uma condição vocal. Vou à Itália, onde já tenho um contrato que me permite e garante os estudos pelo período de um ano.” –afirmou a um jornal em 1930.
Sylvio Vieira. Scarpia |
Outro papel que marcou a longa carreira de Sylvio Vieira foi o Iberê, de “O Escravo”, de Carlos Gomes.
Há anos sabia da existência de um curta-metragem dirigido por Humberto Mauro em 1944, com uma cena do IV ato de “O Escravo” –o recitativo e ária “Sospetano di me...Sogni d’amore”, que Sylvio já havia gravado em estúdio em 1931. A ficha técnica do curta pode ser consultada nos arquivos do Ministério da Cultura. Mas, o filme mesmo não está disponíbilizado para o público e só foi localizado numa fonte do exterior -circunstância que denuncia o fato de que a burocracia cultural está sentada em cima de um riquíssimo acervo que afinal pertence ao público. É também um flagrante do descaso com que o patrimônio cultural brasileiro é tratado, notadamente quando o tema é a música e a ópera em particular.
Não se trata de um documento qualquer. O tema é Carlos Gomes, a direção é de Humberto Mauro, a locução é de Edgar Roquete Pinto, o barítono é Sylvio Vieira, com o maestro Santiago Guerra regendo a Orquestra e o Coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Estava engavetado e esquecido há muitas décadas, como esquecidos estavam o diretor e sobretudo o intérprete. Não estão mais.
Sylvio Vieira despediu-se dos palcos no início dos anos 60, depois de atuar como "Sharpless" em 1959, em "Madame Butterfly", no espetáculo em que também se despediu da carreira a sua amiga Violeta Coelho Neto de Freitas. Do mundo despediu-se em fevereiro de 1970.
Sylvio Vieira despediu-se dos palcos no início dos anos 60, depois de atuar como "Sharpless" em 1959, em "Madame Butterfly", no espetáculo em que também se despediu da carreira a sua amiga Violeta Coelho Neto de Freitas. Do mundo despediu-se em fevereiro de 1970.
"O Escravo"
Barítono Sylvio Vieira
Direção de Humberto Mauro
1944
Barítono Sylvio Vieira
Direção de Humberto Mauro
1944
Henrique
ResponderExcluirResgatar a memória destes talentos esquecidos significa também resgatar a dignidade dos envolvidos. É trazer à tona este importante legado para a cultura nacional. Parabéns pela valiosa descoberta, pelo imenso amor à música e à ópera. É cada vez melhor vir aqui.
Beijos
Concordo, Helô. Como faz bem conhecer a história da ópera no Brasil! Ao recompor tal memória, inclusive qanto à trajetória dos intérpretes, Henrique dá imensa contribuição à nossa cultura.
ResponderExcluirA imagem do barítono Sylvio Vieira está bem viva em minha memória. Aliás, vejo-o com frequência na foto que tenho fixada em minha casa - cena final de Madamma Butterfly (1951), com Elizabeta Barbato, montagem de que participei. Não me esqueço de sua expressão de pena na cena em que Butterfly, depois de tê-lo mandado sair de sua casa, recorda-se do "bimbo", corre à coxia e sob intensa orquestração, retorna com a criança, deixando surpreso e ainda mais comisarado o consul americano. Este não deixa de se sentir conivente com o comportamento irresponsável de Pinkerton.
O papel de Charples, o consul, exige sutiliezas de interpretação. E Sylvio Vieira representava-o muito bem, dando expressividade ao drama do personagem. Charples bem adverte Pinkerton de que Butterfly acreditava em seu propósito. Mas o oficial não lhe dá ouvidos. Mesmo assim, Charples participa do engano - a "cerimônia" do casamento. Três anos após o consumado abandono, Charples aceita a incumbência de trazer Butterfly à realidade e ser o primeiro a lhe contar a verdade, poupando Pinkerton do enfrentamento que lhe competia.
Dificilmente, os barítonos conseguem passar para o público o drama de consciência de Charples, seja pelo modo de frasear a sua parte na escrita da ópera, por exemplo, na cena da leitura da carta no 2o ato ou no terceto do 3o ato, seja pela expressão facial e o modo de se movimentar em cena. Sylvio soube fazê-lo com muito sentimento, aprimorando sua performance a cada apresentação (e não foram poucas!), a ponto de ter me ajudado a dar veracidade à minha interpretação do "Bimbo" - mesmo criança, empenhei-me nesta criação. Aliás, naquele tempo, tudo em volta conspirava a favor do aprimoramento do que se fazia em cena, de modo que até havia espaço para o destaque do papel do filho de Butterfly, o que ocorreu no período de minha atuação (1948-1951).
Mais uma vez, parabéns Henrique, pelo resgate dos feitos do barítono Sylvio Vieira e de nossa história da ópera.
Helô e Comba,
ExcluirFiquei muito contente quando finalmente localizei esse filme de Humberto Mauro. Ele comprova que o Brasil possuía recursos técnicos e poderia ter documentado melhor a atividade cultural no país. A ópera é o gênero que mais se ressente da falta de registros de todo tipo. Até uma foto simples é difícil de encontrar. E pensar que existem jovens cantores líricos que sequer sabem quem foram Sylvio Vieira, Carmem Gomes, Reis e Silva, Jose Torre, Julita Fonseca etc etc
beijão
Henrique
Parabéns pela postagem. É muito difícil se ter acesso ao material que Mauro produziu para o INCE exceto o pouco que foi lançado em DVD. Grata surpresa saber que esse se encontra em circulação. É uma pena, como você bem diz, que verdadeiros tesouros de nossa história, como as centenas de curtas que Mauro realizou no INCE tenham se perdido ou não se encontrem disponíveis ao público. E de boa parte de nossa cinematografia - do cinema mudo, muita pouca coisa restou; ao contrário da Argentina, não temos longas produzidos na década de 10 que sobreviveram ao tempo, por exemplo.
ResponderExcluir