domingo, 25 de março de 2012


A verdadeira Diva da ópera
Magda Olivero 102 anos!
 
Magda Olivero aos 100 anos em seu apartamento em Milão
Maria Maddalena Olivero faz 102 anos hoje. Nasceu em Saluzzo, em 25 de março de 1910. Magda Olivero é uma voz e uma personalidade únicas na história do canto. Não há paralelo possível entre a Olivero e as cantoras atuais, ou mesmo entre as cantoras de sua geração.  É um ícone verdadeiro do canto lírico, reforçado pela longevidade que ela alcança serena, lúcida, com saúde e sobretudo ainda produtiva.

Sua longa carreira a transformou em ponto de encontro a unir mais de uma geração de grandes cantores. Cantou com astros da primeira metade do século passado, como Tito Schippa, Beniaminio Gigli e Giacomo Lauri-Volpi; com Mario Del Monaco, Franco Corelli, Giuseppe Di Stefano e Carlo Bergonzi, da geração seguinte; e alcançou Placido Domingo e Luciano Pavarotti. Magda Olivero é a história viva de quase um século de ópera!

Em seus 50 anos de carreira Magda levantou platéias no mundo inteiro. Não apenas nos grandes teatros, mas também nas periferias do mundo e nos teatros de província. As artistas "famosas" cantavam apenas no grande circuito e gravavam muito. La Olivero cantava nos grandes centros, mas também nos distantes lugares onde as cantoras de grande fama foram poucas vezes ou nunca puseram os pés, apesar da multidão de admiradores que tinham e das paixões que arrebatavam. Poucos são os que viram ao vivo Maria Callas ou Renata Tebaldi –mais conhecidas pelas gravações e uns poucos vídeos. No entanto, são muitos os que, em dezenas de países de todos os continentes, tiveram contato direto com a arte de Magda Olivero e puderam aplaudi-la desde sua estréia em 1932. Talvez por isso ela tenha se transformado numa unanimidade entre os amantes de ópera.

Tosca. Rio de Janeiro, julho de 1964
Esteve no Rio de Janeiro em 1964 e foi a grande estrela da última grande temporada lírica internacional que a cidade conheceu. Cantou o Mefistofele, com Cesare Siepi e Flaviano Labò; a Tosca, com Flaviano Labò e GianGiacomo Guelfi; a Fanciulla Del West, com João Gibin e GianGiacomo Guelfi (segunda récita com Paulo Fortes); e a Adriana Lecouvreur, com Angelo Lo Forese e Piero Cappuccilli (depois Paulo Fortes). Deixou-nos um presente: doou ao Museu dos Teatros do Rio de Janeiro, que na época estava instalado no Salão Assírio do Theatro Municipal, o vestido que usou em Adriana Lecouvreur, reconhecidamente seu maior papel. Com certeza os atuais responsáveis pelo Theatro desconhecem o fato, apesar de estarem obrigados a zelar pelo patrimônio e conhecer alguma coisa sobre a história da instituição que dirigem. Mas é exigir muito de quem sequer anunciou um único espetáculo de ópera para 2012.


Magda é chamada por muitos de “A última diva do verismo”. Talvez seja mais do que isso. Talvez seja a diva verdadeira, a diva real, aquela que foi possível ver de perto, de quem se pode conseguir a atenção de uma palavra e um autógrafo. Magda não é um mito. É um ícone. Artista sensível e refinada, ela sempre soube cultivar igualmente a humildade e a simplicidade. É assim até hoje, do alto dos seus magníficos 102 anos.

Mas, no palco, vivendo Floria Tosca ou Adriana, era uma explosão, às vezes incontrolável, de sentimentos! Deixava de ser ela mesma para dar vida à ficção. Poucas cantoras foram tão atentas ao texto como Magda. Charles Gounod dizia que “um grande cantor deve ser, antes de mais nada, um grande orador”.  E explicava: “no fundo só há uma arte, a PALAVRA, e uma só função, EXPRESSAR”. Magda Olivero está entre as poucas cantoras que sabiam realizar o que Gounod pedia dos intérpretes. Grande dama do verismo, que Gounod não chegou a conhecer, Magda é a grande mestra do “recitar cantando”.

Atribui-se a Joan Sutherland uma frase que ficou famosa. Por ocasião da estréia de Magda no Metropolitan, aos 65 anos em 1975, cantando a Tosca, uma celebrada cantora teria comentado com Sutherland:
  
“-Ela canta bem, mas ‘divas’ somos nós, não é mesmo?”
Sutherland retrucou:   
"-Não, minha cara. Nós somos apenas famosas. A verdadeira Diva da ópera é Magda Olivero." 

Henrique Marques Porto


Mefistofele - ato III

Magda Olivero - Flaviano Labò - Cesare Siepi

Rio de Janeiro 1964


4 comentários:

  1. Excelente matéria, Henrique! Interessante o ponto em que você faz a distinção entre as celebridades e aquelas (ou aqueles) que, como Magda, oferecem a carreira ao grande publico, levando sua arte para além dos grandes teatros. Devem ser poucos. Belo exemplo de verdadeiro amor à ópera nos dá Magda Olivero! Não só de amor à ópera mas também de amor à vida. Seus 102 anos não devem ser obra do acaso. Que Deus a proteja!

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  2. Com uma carreira e uma vida tão longas, e com tantos admiradores (muitos deles jovens) espalhados pelo mundo, la signora Magda merece o título de "verdadeira 'diva" da ópera".
    Estava ouvindo o segundo ato da "Fanciulla", aqui no Rio, que nós tivemos o privilégio de ver. Magda era (é!) uma cantora sensacional!

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  3. Henrique
    Que orgulho eu sinto de ser sua amiga. Tive a curiosidade de pesquisar no Google o nome de Magda Olivero e só dá você nas primeiras páginas! Se acrescentar 102 fica ainda melhor. Parabéns a essa tão bela cantora. Fiquei quase uma hora esperando carregar o vídeo, mas valeu a pena ouvi-la. A Comba já disse o que também me chamou a atenção, o fato de Magda não cantar apenas nos grandes palcos. Quanta nobreza há nesse gesto. Além da bela voz, chamou-me a atenção suas mãos delicadas. Veja como são bonitas, como a que aparece na pintura. Vida longa para a Magda! E vida longa pra você, Henrique, que com sua privilegiada memória nos presenteia com textos tão cheios de beleza e emoção.
    Beijos.

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  4. Obrigado, Helô. Magda é uma das minhas referências em matéria de canto. Os primeiros grandes espetáculos de ópera que vi foram com ela. É de uma escola de canto lírico que está desaparecendo -ela própria reconhece isso. Tenho a impressão de que as carreiras dos cantores atuais, mesmo os muito bons, correm o risco de ser cada vez menores por falta de vínculo com a antigas escolas de canto, principalmente a italiana. A presença de Magda entre nós é importante por causa disso. A cada aniversário dela, uma parte significativa da história da ópera é lembrada e recuperada para os jovens cantores. Além disso é uma figura humana e tanto.
    beijão
    Henrique

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